Muitos algoritmos empregados para predizer o prognóstico no câncer de orofaringe incorporam o status do HPV como um fator de estratificação, ao invés de reconhecer a singularidade da doença. A crítica, assim como a proposta de uma reclassificação TNM para tumores HPV+, vem do ICON-S, estudo multicêntrico publicado na edição de abril do Lancet Oncology (vol.17, nº 4). Flávio Hojaij e Arthur Vicentini, cirurgiões de cabeça e pescoço do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, comentam o estudo.
Por Flávio Hojaij e Arthur Vicentini, cirurgiões de cabeça e pescoço do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Sabidamente, tumores malignos são classificados segundo o TNM: tamanho/extensão (T), acometimento de linfonodos regionais (N) e presença ou não de metástases à distância (M). O estadiamento TNM pode, muitas vezes, demonstrar prognóstico, possibilitar o desenvolvimento de estudos padronizados entre diferentes instituições e estabelecer diretrizes e recomendações para o tratamento.
O estadiamento TNM é definido pela UICC/AJCC, associações que buscam essa padronização. Atualmente, está em vigor a 7ª edição do estadimento TNM.
Dentre os tumores malignos de orofaringe, destaca-se o mais comum: o carcinoma epidermóide. Mudanças de epidemiologia nos últimos anos foram vistas: apesar de os tumores apresentarem as mesmas características histológicas, os carcinomas de orofaringe com infecção por HPV (HPV+) têm sido considerados doença diferente daquela causada por uso de tabaco e álcool (concomitantemente ou não). Os tumores HPV+ costumam apresentar melhores prognósticos e taxas de sobrevida que os HPV-. Em alguns países, o HPV+ já é aceito como fator de risco mais comum que o uso de tabaco e álcool.
Vale ressaltar que pacientes tabagistas apresentam piores resultados do tratamento e taxa de mortalidade maior, independente do status do HPV.
Atualmente, quase a totalidade dos pacientes com tumores de orofaringe HPV+ são tratados com esquema de preservação de órgãos: radioterapia muitas vezes associada a quimioterapia.
Devido a estas diferenças, foi desenvolvido um estudo multinacional com participação de instituições da Europa e da América do Norte que comparou as características e as taxas de sobrevida de pacientes com câncer de orofaringe com ou sem infecção por HPV. Dessa maneira, uma nova forma de classificação para tumores de orofaringe HPV+ foi apresentada, chamada de ICON-S.
Algumas categorias do estadiamento atualmente aceito (7ª Edição TNM UICC/AJCC) foram agrupadas na nova classificação (ICON-S) devido ao fato de apresentarem prognósticos semelhantes entre elas: N0 = ausência de linfonodos acometidos / N1 = linfonodos acometidos do mesmo lado da lesão primária (antigo N1 + N2a + N2b) / N2 = linfonodos contralaterais acometidos (antigo N2c) / N3 = linfonodos maiores que 6 cm / T4 (antigos T4a + T4b).
Tal estadiamento mostra-se de fácil organização e entendimento (Estadio I = T1-T2 e N0-N1 / Estadio II = N2 e/ou T3 / Estadio III = N3 e/ou T4 / Estadio IV = qualquer T e N + M1) e com prognósticos semelhantes dentro de cada grupo.
De qualquer modo, essa classificação precisa ser aceita pela comunidade médica e estudo prospectivo, interessado no tratamento desses pacientes precisa ser conduzido.
O estudo
Por Valéria hartt
O ICON-S (International Collaboration on Oropharyngeal Cancer Network for Staging) incluiu pacientes com câncer de orofaringe não metastático a partir de sete centros de câncer localizados em toda a Europa e América do Norte, sendo que 1 serviu como coorte de investigação e os demais como coorte de validação dos resultados. Os pesquisadores analisaram o status do HPV dos pacientes através do índice de coloração p16 ou de hibridização in-situ (FISH). Os dados de sobrevida global em cinco anos foram associados com o status de HPV e comparados com as classificações disponíveis, considerando a sétima edição da classificação TNM, modelos de razão de risco (AHR-New; AHR Orig) e análise de RPA (análise de particionamento recursivo).
Métodos de modelagem foram empregados para derivar a nova classificação dos cânceres de orofaringe, que também considerou hipóteses recentes sobre o efeito do esvaziamento dos linfonodos cervicais.
Resultados
O estudo envolveu um total de 1907 pacientes com câncer de orofaringe HPV +, dos quais 661 (35%) foram recrutados no centro de investigação e 1.246 (65%) inscritos a partir dos centros de validação. Na comparação com a 7ª edição TNM, a sobrevida em 5 anos foi semelhante para estadios I, II, III e IV (respectivamente, 88% [IC 95% 74-100]; 82% [71-95]; 84% [79-89]; e 81% [79-83]; P Global = 0 · 25). No entanto, foi menor para pacientes com estadio IVB (60% [53-68]; p <0 · 0001).
Para o grupo N0, os dados do ICON-S mostram que não houve diferença na sobrevida global em 5 anos (80% [95% IC 73-87]), assim como nos subgrupos N1-N2a (87% [83-90]), e N2b (83% [80-86]). Em contraste, a diferença foi significativamente menor para aqueles com doença N3 (59% [51-69]; p <0 · 0001).
Diante dos resultados obtidos, os pesquisadores avaliaram cada modelo prognóstico de acordo com sua capacidade de predizer sobrevida. A nova razão de risco ajustada (AHR-New) ficou com o primeiro lugar, seguida da classificação AHR-Orig, RPA (análise de particionamento recursivo) e da sétima edição da classificação TNM.
Assim, a nova razão de risco ajustada foi escolhida como a classificação ICON-S proposta:
ICON-S N0, não há linfonodos
ICON-S N1, linfonodos ipsilateral
ICON-S N2 linfonodos bilaterais ou contralaterais
ICON-S N3, linfonodos maiores que 6 cm.
A classificação ICON-S considera estadio I (T1-T2N0-N1), estadio II (T1-T2N2 ou T3N0-N2) e estadio III (T4 ou N3). A doença metastática (M1) é classificada como estadio ICON-S IV.
Em conclusão, a interpretação dos autores é de que o sistema de estadiamento ICON-S proposto para câncer de orofaringe HPV + é adequado para embasar a 8ª edição da classificação da UICC, embora novos trabalhos sejam necessários para verificar se as categorias T e N devem ser mais refinadas e se outros fatores podem melhorar a classificação.
Tumores de orofaringe relacionados com o papilomavírus humano (HPV +) são uma doença emergente, em geral com bom prognóstico.
Referência: Development and validation of a staging system for HPV-related oropharyngeal cancer by the International Collaboration on Oropharyngeal Cancer Network for Staging (ICON-S): a multicentre cohort study