Estudo randomizado relatado por Kyung et al. no Jama Oncology mostra que a irradiação pélvica pós-operatória, usando IMRT hipofracionada com 40 Gy em 16 frações, combinada com quimioterapia concomitante foi segura e bem tolerada em mulheres com câncer cervical. Na população avaliada, a taxa de sobrevida livre de doença em 3 anos foi de 79,3% e a taxa de sobrevida global alcançou 98,0%. Gabriel Faria Najas (foto), radio-oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), comenta os resultados.
O estudo POHIM-CCRT (radioterapia hipofracionada com intensidade modulada pós-operatória com quimioterapia concomitante no câncer cervical) foi concebido como um ensaio multicêntrico, de fase 2, não randomizado, controlado, que inscreveu e acompanhou pacientes de 1º de junho de 2017 até 28 de fevereiro de 2023. No total, 84 pacientes foram inscritos em 5 instituições afiliadas ao Grupo Coreano de Oncologia de Radiação. Foram elegíveis pacientes com metástases linfonodais, invasão parametrial ou margens de ressecção positivas após histerectomia radical para tratamento de câncer cervical.
A intervenção consistiu em radiação pélvica pós-operatória usando IMRT hipofracionada com 40 Gy em 16 frações para toda a pelve, combinada com quimioterapia concomitante. O desfecho primário foi a incidência de efeitos tóxicos agudos de grau 3 ou superior no trato gastrointestinal, geniturinário e hematológico (com base nos Critérios de Terminologia Comum para Eventos Adversos do Instituto Nacional do Câncer, versão 4.0) durante a RT ou dentro 3 meses após a conclusão do RT.
Os resultados publicados no Jama Oncology mostram que 79 pacientes compuseram a base de análise. A idade mediana (IQR) dos pacientes foi de 48 (42-58) anos e o tamanho mediano (IQR) do tumor foi de 3,7 (2,7-4,5) cm. Desses pacientes, os autores descrevem que 31 (39,7%) apresentaram metástases linfonodais, 4 (5,1%) tiveram margens de ressecção positivas e 43 (54,4%) tiveram invasão parametrial.
Em relação à segurança, efeitos tóxicos agudos de grau 3 ou superior ocorreram em 2 pacientes (2,5% [IC 90%, 0%-4,8%]). Após um seguimento mediano (IQR) de 43,0 (21,1-59,0) meses, a taxa de sobrevida livre de doença em 3 anos foi de 79,3% e a taxa de sobrevida global foi de 98,0%.
“Esses achados sugerem que a irradiação pélvica pós-operatória combinada com quimioterapia concomitante usando radioterapia hipofracionada com intensidade modulada com 40 Gy em 16 frações pode ser administrada com segurança”, destacam os autores, que alertam para a necessidade de um estudo randomizado maior, de fase 3, para comparar os resultados do tratamento de quimiorradioterapia concomitante hipofracionada e fracionada convencional em pacientes com câncer cervical e os resultados de longo prazo.
Este estudo está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov: NCT03239613
O estudo em contexto
Por Gabriel Faria Najas, radio-oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
A radioterapia hipofracionada vem cada vez mais ganhando notoriedade como a modalidade de escolha no tratamento de tumores da mama e próstata, em alguns cenários reto e sistema nervoso central. E apesar do avanço e melhor entendimento da radiobiologia, o uso do hipofracionamento nos tumores do colo do útero ainda apresenta um desenvolvimento modesto.
A adjuvância no colo uterino, tanto com radioterapia exclusiva como com adição de quimioterapia nos casos de linfonodos, paramétrios comprometidos ou margem positiva, são consenso desde suas respectivas publicações em 1999 por Sedlis et al e em 2000 com Peters et al., com ganhos em controle local e sobrevida global na casa dos 10%, aproximadamente.
Neste contexto, o HIPOM CCRR, conduzido pelo KROG (Korean Radiation Oncology Group) propõe a realização de radioterapia hipofracionada concomitante à quimioterapia para as pacientes que preenchiam os critérios do Peters.
Com o objetivo primário de avaliar toxicidade no contexto da adjuvância, os autores relataram toxicidades grau 3 ou maiores de 2,5%, sendo dois pacientes com toxicidade hematológica, e uma dessas pacientes também desenvolvendo toxicidade gastrointestinal (enterocolite); no entanto, esses efeitos não foram mais observados três meses após o término do tratamento.
É importante lembrar que o estudo apresentou índices de toxicidades menores do que os vistos em publicações com fracionamento convencional, em parte, como reportado pelos autores, devido a uma dose menor de quimioterapia, mas também podemos assumir que a utilização de melhores técnicas de radioterapia do que aquelas usadas nos primeiros estudos possibilitam uma menor dose em alças e em ossos pélvicos e, consequentemente, menos efeitos adversos.
Outro dado importante trazido pelo estudo é o impacto do tratamento na qualidade de vida do paciente, com ganhos significativos em escores de saúde funcional, física e emocional no período de três meses do término do tratamento em comparação com as avaliações base. No entanto, existe uma maior preocupação com relação a efeitos da menopausa e saúde sexual, mostrando que essa é uma área que ainda necessita de atenção na elaboração de estratégias terapêuticas para essa população.
Por fim, apesar de não ser o endpoint primário do estudo e o seguimento ainda curto, os desfechos oncológicos de sobrevida global e sobrevida livre de progressão apresentados pelos autores não só estão de acordo com os dados institucionais, mas também com os vistos na literatura.
O câncer de colo do útero ainda é uma doença de alta prevalência em países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, que espera um número de quase 20 mil casos em 2025 pelas projeções do GLOBOCAN. E ainda levarão anos até a estratégia de vacinação ampla para HPV apresentar um impacto significativo na incidência. Neste contexto, a possibilidade de realizar o tratamento em menos tempo pode ser um fator determinante em ampliar o número de pacientes com acesso ao tratamento adequado.
Aguardamos ansiosamente publicações de estudos prospectivos fase 2 em andamento sobre o uso do hipofracionamento no contexto radical, assim como o desenvolvimento de estudos fase 3 tanto no contexto radical, quanto adjuvante.
Referência: Cho WK, Park W, Kim S, Lee KK, Ahn KJ, Choi JH. Postoperative Hypofractionated Intensity-Modulated Radiotherapy With Concurrent Chemotherapy in Cervical Cancer: The POHIM-CCRT Nonrandomized Controlled Trial. JAMA Oncol. Published online April 25, 2024. doi:10.1001/jamaoncol.2024.0565