Uma nova estratégia “all-in-one”, que consistiu na terapia sequencial com CAR T cells CD7 e transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) haploidêntico em 10 pacientes com leucemia ou linfoma CD7 positivo recidivado ou refratário, levou à remissão completa da doença residual mínima em 60% dos pacientes tratados, com sobrevida global estimada em 1 ano de 68%. “É uma abordagem viável para pacientes com tumores CD7 positivos que são inelegíveis para TCTH alogênico convencional”, destacam os autores, em artigo na New England Journal of Medicine. O hematologista Ângelo Maiolino (foto) comenta o estudo.
A terapia com células T do receptor de antígeno quimérico (CAR) tem despertado entusiasmo, com avanços sem precedentes contra cânceres hematológicos. Estudos já relatados mostram que mais de 50% dos pacientes tiveram resposta objetiva e que metade desses pacientes alcançaram sobrevida livre de doença sustentada. Os esforços de pesquisa atuais objetivam introduzir a terapia com CAR T cells em fases iniciais da doença, com a expectativa de melhorar o controle da doença a longo prazo.
Neste estudo, Hu e colegas argumentam que a terapia com CAR T cells como uma ponte para o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas (TCTH) tem potencial para eliminação de tumores, com resultados sustentados. “No entanto, os agentes de profilaxia da mieloablação pré-TCTH e da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) têm efeitos tóxicos que podem erradicar as CAR T cells residuais e comprometer os efeitos antitumorais”, esclarecem.
Para enfrentar esses desafios, os pesquisadores desenvolveram uma nova estratégia “all-in-one” de terapia sequencial com CAR T cells CD7 e TCTH haploidêntico sem mieloablação farmacológica ou profilaxia de DECH. Esta série de casos descreve 10 pacientes com cânceres positivos para CD7 recidivados ou refratários tratados com esta estratégia.
De novembro de 2021 a setembro de 2023, dez pacientes com cânceres positivos para CD7 e doença recidivada ou refratária foram incluídos em um dos dois estudos clínicos prospectivos com CAR T cells CD7. Pacientes que tiveram remissão completa com recuperação hematológica incompleta e hipocelularidade grave da medula óssea ou pancitopenia após terapia com CAR T cells CD7, tinham CAR T cells CD7 detectáveis e não tinham histórico de TCTH alogênico foram considerados elegíveis para a estratégia “all-in-one” sem mieloablação farmacológica ou profilaxia para DECH. Os efeitos tóxicos e a eficácia foram monitorados de perto.
Os autores descrevem que a estratégia experimental consistiu em um regime de linfodepleção intensificada com fludarabina (30 mg/m2 de área de superfície corporal), ciclofosfamida (300 mg/m2) e etoposídeo (100 mg) administrado por 5 dias consecutivos a todos os pacientes, seguido de infusão de CAR T cells CD7 na dose de 2 × 106 células por quilograma de peso corporal (CAR T cells CD7 haploidênticas, nove pacientes) ou 5 × 106 células por quilograma (CAR T cells CD7 universais, um paciente) no dia 0. O TCTH alogênico foi usado como terapia de resgate para pancitopenia após terapia com CAR T cells no Paciente 1 e como terapia profilática no pacientes restantes. Para os nove pacientes que receberam CAR T cells CD7 haploidênticas, células-tronco e progenitoras hematopoiéticas (HSPCs) foram obtidas do mesmo doador; para o paciente que recebeu CAR T cells CD7 universais, os HSPCs foram obtidos de um novo doador haploidêntico.
Os resultados relatados por Hu et al. na NEJM mostram que, em um seguimento mediano de 15,1 meses (variação de 3,1 a 24,0) após a terapia com CAR T cells, todos os 10 pacientes tiveram remissão completa com recuperação hematológica incompleta e pancitopenia grau 4. Após o TCTH haploidêntico, 1 paciente morreu de choque séptico e encefalite no 13º dia, 8 pacientes apresentaram quimerismo completo do doador e 1 paciente apresentou hematopoiese autóloga. Três pacientes apresentaram DECH aguda de grau 2 associada ao TCTH.
A análise revela que seis pacientes permaneceram em remissão completa negativa da doença residual mínima, 2 tiveram uma recidiva de leucemia CD7 negativa e 1 morreu de choque séptico aos 3,7 meses. A sobrevida global estimada em 1 ano foi de 68% (intervalo de confiança [IC] de 95%, 43 a 100), e a sobrevida livre de doença estimada em 1 ano foi de 54% (IC de 95%, 29 a 100).
“Nossos achados sugerem que a terapia sequencial com CAR T cells CD7 e o TCTH haploidêntico, sem condicionamento farmacológico ou profilaxia de DECH são seguros e eficazes, com remissão e eventos adversos graves, mas reversíveis. Esta estratégia oferece uma abordagem viável para pacientes com tumores CD7 positivos que são inelegíveis para TCTH alogênico convencional”, concluem os autores.
As pesquisas (NCT04599556 e NCT04538599) têm financiamento da National Natural Science Foundation da China e do Departamento de Ciência e Tecnologia da Província de Zhejiang.
“Os resultados realmente foram promissores e com uma toxidade aceitável, mesmo para esse grupo de pacientes com doença mais avançada”, analisa Ângelo Maiolino, Professor de Hematologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Claro que esse é um tratamento ainda experimental e com um número muito pequeno de pacientes, portanto ainda distante da nossa realidade, mas é uma abordagem inovadora que utiliza CAR T como uma ponte para o transplante alogênico”, diz Maiolino.
Referência: Published April 24, 2024. N Engl J Med 2024;390:1467-1480. DOI: 10.1056/NEJMoa2313812. VOL. 390 NO. 16