Um kit de coleta de linfonodos pode ajudar os cirurgiões a obter uma ressecção completa e melhorar a sobrevida a longo prazo após a cirurgia de câncer de pulmão com intenção curativa. É o que mostra estudo de Smeltzer et al. reportado no Journal of Thoracic Oncology Clinical and Research Reports, publicação da Associação Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão (IASLC). Ricardo Terra (foto), professor associado da Faculdade de Medicina da USP e chefe da Divisão de Oncologia Torácica Cirúrgica do ICESP, comenta os resultados.
“Os autores demonstram a grande importância de um kit desenvolvido para a coleta de linfonodos mediastinais e hilares durante cirurgias para câncer de pulmão. Através da análise retrospectiva de mais de 3500 casos, foi possível demonstrar de forma ajustada que o uso do kit se correlacionou a maior taxa de ressecção R0 e, mais importante, maior sobrevida global decorrente da maior taxa de ressecção R0”, avalia Terra.
A IASLC propôs uma revisão da classificação de doença residual (fator R), ressecção completa (R0), microscópica incompleta (R1) e totalmente incompleta (R2) para R0, 'R-incerto', R1 e R2. O impacto prognóstico adverso da incerteza-R foi validado de forma independente, sendo a maioria causada por avaliação nodal inadequada.
“Anteriormente, demonstramos uma sobrevida mais longa após a ressecção cirúrgica com um kit de coleta de amostra de linfonodo, como reportamos no Journal of Thoracic Oncology em fevereiro. Agora, avaliamos a redistribuição do fator R como o mecanismo de seu benefício de sobrevida”, acrescentou Smeltzer, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Universidade de Memphis.
A ressecção cirúrgica é o tratamento curativo mais importante para o câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC). No entanto, os autores sublinham que a má qualidade cirúrgica reduz o benefício de sobrevida após tratamento do CPNPC com intenção curativa, sendo a avaliação nodal patológica subótima o déficit mais prevalente de qualidade da cirurgia na oncologia torácica.
Nesta análise, os pesquisadores consideraram 3.505 ressecções pulmonares realizadas entre 2009-2019 em uma coorte de pacientes de 4 regiões do centro-sul dos Estados Unidos (Mid-South Quality of Surgical Resection - MSQSR).
De 3.505 ressecções, 34% foram R0, 60% R incerto e 6% R1 / 2. A porcentagem de R0 aumentou de 9% em 2009 para 56% em 2019. Os casos do kit foram 66% R0 e 29% R incerto, em comparação com 14% R0 e 79% R incerto em casos sem kit (p <0,0001). “Em comparação com as ressecções sem kit, as ressecções com kit tiveram 12,6 vezes as chances ajustadas de R0 vs. R0 incerto”, relatou Smeltzer.
Os casos do kit também tiveram porcentagens mais baixas de exame não realizado nos gânglios linfáticos (ou seja, pNX), 1% vs. 14% (p <0,0001) e gânglios linfáticos mediastinais, 8% vs. 35% (p <0,0001). Com o kit, mais casos R-incertos tiveram exame das cadeias 7 (43% vs. 22%, p <0,0001) e 10 (67% vs. 45%, p <0,0001).
A razão de risco ajustada (aHR) para casos de kit versus casos de não kit foi de 0,75 ([IC 0,66-0,85], p <0,0001); aHR para R0 versus R-incerto foi 0,78 ([CI: 0,69-0,88], p <0,0001). Os autores reportam que em 2.100 indivíduos com ressecções R incertas, os casos de kit tiveram um aHR de 0,79 versus casos de não kit ([CI: 0,64-80,99], p = 0,0384); no entanto, nas 1.199 ressecções R0 a diferença de sobrevida não foi significativa (aHR: 0,85 [0,68-1,07], p = 0,17).
Diante desses resultados, Smeltzer destaca o benefício do kit de coleta. “Nós o projetamos para melhorar a recuperação intraoperatória de linfonodos compatíveis com as diretrizes baseadas em evidências, a transferência segura de amostras de linfonodos entre as equipes de cirurgia e patologia e a identificação precisa da proveniência anatômica de amostras de linfonodos para encorajar avaliações patológicas completas e precisas”.
Terra ressalta que o kit influencia o cirurgião a realizar ressecções linfonodais mais completas e também a uma melhoria no processo de registro das cadeias ressecadas e sua nomenclatura adequada. “Influencia também a análise da peça pelo departamento de Patologia, induzindo uma análise mais completa em especial das cadeias linfonodais intrapulmonares. Sobretudo, o estudo ressalta a necessidade de ações para melhoria de qualidade das cirurgias para câncer de pulmão, em especial no que se refere à completude das ressecções linfonodais, e evidencia que ações relativamente simples como o uso do kit levam a melhoras significativas nos desfechos cirúrgicos”, conclui.
A íntegra do artigo está disponível em acesso aberto.
Referência: Matthew P. Smeltzer et al, Impact of a Lymph Node Specimen Collection Kit on the Distribution and Survival Implications of the Proposed Revised Lung Cancer Residual Disease Classification: a Propensity-Matched Analysis., JTO Clinical and Research Reports (2021). DOI: 10.1016/j.jtocrr.2021.100161