As conclusões do estudo britânico que sugerem benefícios do rastreamento do câncer de ovário foram publicadas no Lancet, na edição online de 17 de dezembro, e apontam “evidências encorajadoras”, com redução significativa na mortalidade com o rastreamento multimodal anual (MMS). "É um estudo muito importante, o maior já realizado no rastreamento de câncer de ovário. A principal inovação no desenho do estudo é não se ater apenas à dosagem do CA125, mas sim ao algoritmo que considera sua variação conjugada com outros fatores, como idade e histórico da paciente”, analisa Angélica Nogueira, presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA).
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, são esperados 6.150 novos casos da doença para 2016. O câncer de ovário é o tumor ginecológico mais difícil de ser diagnosticado e de menor chance de cura. Os sintomas iniciais da neoplasia são inespecíficos e não há métodos de rastreamento incorporados na prática clínica, resultando em um cenário de doença avançada ao diagnóstico, altas taxas de recidiva pós tratamento primário e significativa mortalidade. Este estudo randomizado, liderado por Ian Jacobs, do Cancer Research UK, avaliou mais de 200 mil mulheres e foi desenhado para estabelecer o efeito da detecção precoce através do rastreio na mortalidade por câncer de ovário.
O estudo considerou mulheres na pós-menopausa entre 50-74 anos de idade, recrutadas a partir de 13 centros na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Os critérios de exclusão foram ooforectomia bilateral prévia ou malignidade ovariana, risco aumentado de câncer de ovário familiar e presença de outras malignidades. As participantes foram alocadas aleatoriamente para receber avaliação por rastreamento multimodal anual (MMS) que usava um algoritmo para interpretar alterações no CA125 (grupo 1); avaliação anual com ultrassonografia transvaginal (USS) (grupo 2) ou não triagem (grupo 3), na proporção de 1: 2: 1. O desfecho primário foi morte por câncer de ovário até 31 de dezembro, 2014, comparando MMS, ultrassonografia e nenhum rastreio.
Resultados
Entre 1º de junho de 2001 e 21 de outubro de 2005, foram inscritas 202.638 mulheres, sendo 50.640 (25%) para MMS, 50.639 (25%) para USS e 101.359 (50%) para nenhuma rastreio. Um total de 202.546 mulheres foram elegíveis para análise: 50.624 no grupo de MMS, 50.623 no grupo de USS e 101.299 no grupo sem rastreio.
A triagem considerou um seguimento médio de 11, 1 anos, período em que o câncer de ovário foi diagnosticado em 1282 (0,6%) mulheres, considerando 338 (0,7%) no grupo de MMS, 314 (0,6%) no grupo de USS e 630 (0,6%) no grupo sem rastreio. Desse universo, 148 (0,29%) mulheres no grupo de MMS, 154 (0 ,30%) no grupo de USS e 347 (0 ,34%) no grupo sem rastreio morreram de câncer de ovário.
A análise primária usando um modelo de riscos proporcionais de Cox apontou uma redução da mortalidade com MMS de 15% ao longo dos anos (p=010) e de 11% com ultrassonografia (p=0,21). O modelo paramétrico flexível Royston-Parmar mostrou que no grupo de MMS este efeito de redução da mortalidade foi de 8% em 0-7 anos e de 23% em 7-14 anos, enquanto no grupo com USS foi de 2% entre 0-7 anos e de 21% (-2 a 42) em 7-14 anos.
A análise pré-especificada de morte por câncer de ovário comparando MMS versus nenhum rastreamento mostrou diferenças significativas nas taxas de mortalidade (p=0,021), com uma redução global média de 20% na mortalidade (-2 a 40) e redução de 8% entre 0-7 anos e de 28% (-3 a 49) em 7-14 anos em favor da triagem por MMS.
Para os autores, foi observada uma redução significativa da mortalidade com MMS, o que consideram “evidências encorajadoras” do impacto deste método de rastreamento na redução da mortalidade por câncer de ovário. Novos estudos são necessários para corroborar evidências.
ClinicalTrials.gov, número NCT00058032
Referência: Ovarian cancer screening and mortality in the UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening (UKCTOCS): a randomised controlled trial
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(15)01224-6