Em pacientes com câncer de ovário avançado submetidos à ressecção macroscópica intra-abdominal completa e com linfonodos normais antes e durante a cirurgia, a linfadenectomia não foi associada à melhor sobrevida global e sobrevida livre de progressão. A abordagem também foi associada à maior incidência de complicações pós-operatórias. Os dados do estudo LION foram publicados no New England Journal of Medicine (NEJM). O cirurgião Glauco Baiocchi (foto), diretor do Departamento de Ginecologia Oncológica do A.C. Camargo Cancer Center e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comenta o trabalho.
A linfadenectomia pélvica e para-aórtica sistêmica tem sido amplamente utilizada no tratamento cirúrgico de pacientes com câncer de ovário avançado. No entanto, as evidências de ensaios clínicos randomizados que suportam a abordagem são limitadas.
No estudo LION, pacientes com câncer de ovário avançado recentemente diagnosticado (International Federation of Gynecology and Obstetrics, estádios IIB a IV), submetidas à ressecção macroscópica completa e com linfonodos normais antes e durante a cirurgia, foram randomizadas para receber ou não a linfadenectomia. Todos os centros tiveram que se qualificar em relação às habilidades cirúrgicas antes da participação no estudo. O endpoint primário foi a sobrevida global.
Resultados
Entre dezembro de 2008 e janeiro de 2012, 647 pacientes foram randomizadas; 323 pacientes foram submetidas à linfadenectomia e 324 pacientes não foram submetidas ao procedimento. Entre as pacientes submetidos à linfadenectomia, foram removidos, em média, 57 linfonodos (35 linfonodos pélvicos e 22 para-aórticos), comprometidos em 55,7% dos casos.
A mediana da sobrevida global foi de 69,2 meses no grupo que não recebeu linfadenectomia e 65,5 meses no grupo de pacientes submetidas à linfadenectomia (hazard ratio para morte no grupo linfadenectomia, 1,06; 95% IC, 0,83 a 1,34; P = 0,65). A mediana de sobrevida livre de progressão foi de 25,5 meses em ambos os grupos (hazard ratio para progressão ou morte no grupo linfadenectomia, 1,11; 95% IC, 0,92 a 1,34; P = 0,29).
Complicações pós-operatórias graves ocorreram com mais frequência no grupo submetido à linfadenectomia (por exemplo, incidência de laparotomia repetida, 12,4% vs. 6,5% [P = 0,01]; mortalidade dentro de 60 dias após a cirurgia, 3,1% vs. 0,9% [P = 0,049]).
“Os resultados mostraram maior tempo operatório, maior perda sanguínea, maior uso de antibióticos, maior número de re-laparotomias por complicações e maior número de óbitos em 60 dias de pós-operatório para o grupo submetido à linfadenectomia”, explicou o cirurgião Glauco Baiocchi, membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG). “Apesar da taxa alta de linfonodos comprometidos no grupo que recebeu a linfadenectomia, a sua ressecção, além de não trazer benefício em sobrevida, foi deletéria aos pacientes. O estudo LION traz evidência suficiente para uma importante mudança de paradigma no tratamento cirúrgico do câncer de ovário”, acrescentou.
Para conferir a íntegra da análise do cirurgião Glauco Baiocchi, do EVA/GBTG, clique aqui.
O estudo foi financiado pelo Deutsche Forschungsgemeinschaft e Austrian Science Fund; LION ClinicalTrials.gov number, NCT00712218.
Referência: A Randomized Trial of Lymphadenectomy in Patients with Advanced Ovarian Neoplasms - Philipp Harter et al. - February 28, 2019 - N Engl J Med 2019; 380:822-832 - DOI: 10.1056/NEJMoa1808424