Onconews - Mastectomia bilateral não reduz mortalidade por câncer de mama

A mastectomia bilateral para o tratamento de câncer de mama unilateral reduz o risco de mortalidade por câncer de mama em 20 anos? Estudo de coorte incluindo 661.270 mulheres com câncer de mama unilateral que foram pareadas por tipo de tratamento (lumpectomia, mastectomia unilateral ou mastectomia bilateral) e acompanhadas por 20 anos demonstrou que a mastectomia bilateral foi associada a uma redução estatisticamente significativa do risco de câncer de mama contralateral, mas não da mortalidade por câncer de mama. Os resultados foram publicados no JAMA Oncology. O mastologista Cesar Cabello (foto), professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), analisa os resultados.

Nesse estudo de coorte, os pesquisadores buscaram estimar o risco cumulativo de 20 anos de mortalidade por câncer de mama entre mulheres com câncer de mama unilateral em estágio 0 a III de acordo com o tipo de cirurgia inicial realizada.

Foi utilizado o banco de dados de registro do Programa de Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais (SEER) para identificar mulheres com câncer de mama unilateral (carcinoma invasivo e ductal in situ) que foram diagnosticadas de 2000 a 2019.

Três coortes correspondentes de tamanho igual foram geradas usando correspondência 1:1:1 de acordo com a abordagem cirúrgica. As coortes foram acompanhadas por 20 anos para câncer de mama contralateral e para mortalidade por câncer de mama.

A análise comparou o risco cumulativo em 20 anos de mortalidade por câncer de mama para mulheres tratadas com lumpectomia versus mastectomia unilateral versus mastectomia bilateral. Os dados foram analisados ​​entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024. 

Resultados

A amostra do estudo incluiu 661.270 mulheres com câncer de mama unilateral (idade média [DP], 58,7 [11,3] anos). Após a correspondência, havia 36.028 mulheres em cada um dos 3 grupos de tratamento. Durante o acompanhamento de 20 anos, houve 766 cânceres de mama contralaterais observados no grupo lumpectomia, 728 cânceres de mama contralaterais no grupo mastectomia unilateral e 97 cânceres contralaterais no grupo mastectomia bilateral.

O risco de câncer de mama contralateral em 20 anos foi de 6,9% (IC 95%, 6,1%-7,9%) no grupo lumpectomia-mastectomia unilateral. A mortalidade cumulativa por câncer de mama foi de 32,1% em 15 anos após o desenvolvimento de um câncer contralateral e foi de 14,5% para aquelas que não desenvolveram um câncer contralateral (razão de risco, 4,00; IC 95%, 3,52-4,54, usando câncer de mama contralateral como uma covariável tempo-dependente).

Mortes por câncer de mama totalizaram 3.077 mulheres (8,54%) no grupo de lumpectomia, 3.269 mulheres (9,07%) no grupo de mastectomia unilateral e 3.062 mulheres (8,50%) no grupo de mastectomia bilateral. 

“Este estudo de coorte indica que o risco de morrer de câncer de mama aumenta substancialmente após sofrer um câncer de mama contralateral. Mulheres com câncer de mama tratadas com mastectomia bilateral tiveram um risco muito reduzido de câncer de mama contralateral; no entanto, experimentaram taxas de mortalidade semelhantes às pacientes tratadas com lumpectomia ou mastectomia unilateral”, concluíram os autores.

Estudo em contexto

Por Cesar Cabello, Professor de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professor Pleno do Programa de Tocoginecologia da FCM-UNICAMP; Coordenador da Divisão de Oncologia do Hospital da Mulher Prof. José Aristodemo Pinotti-CAISM-FCM-UNICAMP

O estudo de Giannakeas e colegas, com a coordenação do Prof. Steve Narod, traz resultados relevantes em muitos aspectos. Chama a atenção o tamanho amostral e o tempo de seguimento (20 anos).

Esta coorte reconstituída, baseada no banco de dados norte americano do SEER, representa o estudo publicado de maior amostra e mais longo seguimento que trata de prognóstico segundo o tipo de tratamento cirúrgico do câncer de mama. O tamanho amostral geral permitiu um emparelhamento das três modalidades cirúrgicas com amostras muito representativas e muito semelhantes em relação a vários aspectos, o que traz consistência aos resultados, apesar de ser um estudo não aleatorizado.

Se por um lado observou-se que o tipo de cirurgia - conservadora, mastectomia unilateral ou mastectomia bilateral – não teve impacto de forma diferente na mortalidade, a doença contralateral esteve associada a quatro vezes mais risco de morte em comparação com as que não tiveram este evento. Ou seja, o câncer de mama contralateral é um evento a ser evitado e/ou ser diagnosticado de forma o mais precoce possível.

Fica aqui uma primeira reflexão em relação a necessidade de acompanhamento das mamas contralaterais, bem como das mamas ipsolaterais tratadas de forma conservadora. Muitos centros de saúde pública em nosso país acabam por delegar às unidades de assistência secundária, após cinco anos de seguimento, o papel de seguir estas mulheres. É importante que a estrutura funcione, na luz dos dados deste estudo que observou que a mortalidade associada à doença contralateral não se relaciona apenas aos primeiros cinco anos.

De qualquer forma, 6.9 % das pacientes tiveram doença contralateral em 20 ano de seguimento, quando as mamas contralaterais foram preservadas. A taxa é de 0.34% ao ano de vida em uma população provavelmente com o risco de câncer habitual, pois não temos dados sobre testagem genética germinativa ou alguma evidência de riscos familiares.

Chama a atenção que a mastectomia bilateral esteve associada a menor mortalidade no subtipo lobular (HR;0.8, 95%, IC 0,7-0,92), assim como o subtipo histológico lobular e tumores com receptor de estrógeno negativo se associaram a maiores taxas de mortalidade. Isto ressalta a importância de um maior cuidado no acompanhamento destes subgrupos. É possível que a ressonância magnética das mamas tenha um papel relevante nestes casos, como já está plenamente recomendado2

Referências:

1 - Giannakeas V, Lim DW, Narod SA. Bilateral Mastectomy and Breast Cancer Mortality. JAMA Oncol. Published online July 25, 2024. doi:10.1001/jamaoncol.2024.2212

 2 - Urban L, et al., Recommendations for breast cancer screening in Brazil, from the Brazilian College of Radiology and Diagnostic Imaging, the Brazilian Society of Mastology, and the Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations Radiol Bras. 2023 Jul/Ago;56(4):207–214