Onconews - Mayo Clinic faz relato histórico do primeiro transplante total de laringe no condrossarcoma de laringe

Pesquisadores da Mayo Clinic, no Arizona, relataram o primeiro transplante laríngeo realizado no cenário de condrossarcoma de laringe, conquista que marca  o terceiro transplante total de laringe dos EUA e abre novas perspectivas para  milhares de pessoas que perderam a capacidade de falar, engolir e respirar por conta própria em consequência da perda da laringe ou diminuição de sua função. O caso também representa um marco para a ciência, como o primeiro transplante total de laringe realizado como parte de um ensaio clínico. "A cirurgia e o progresso do paciente excederam nossas expectativas", disse David Lott, chefe do Departamento de Otorrinolaringologia - Cirurgia de Cabeça e Pescoço/Audiologia da Mayo Clinic, no Arizona. O caso foi apresentado por Lott e colegas, em artigo publicado 9 de julho no periódico Mayo Clinic Proceedings.

O transplante laríngeo (TL) é uma opção promissora para restaurar a qualidade de vida de pacientes com disfunção laríngea grave ou laringectomia. Esses pacientes podem ser dependentes de tubo de traqueostomia, tubo de gastrostomia e ainda perder a capacidade de se comunicar verbalmente. A perda dessas funções importantes frequentemente resulta em isolamento social e acarreta grave diminuição da qualidade de vida. No entanto, apenas três relatos de caso com informações detalhadas sobre TL foram publicados até o momento, de diferentes instituições.

O primeiro TL foi realizado com sucesso nos Estados Unidos em 1998. O paciente era um homem de 40 anos que desenvolveu estenose laríngea após um acidente de carro. No pós-operatório, ele começou a falar em 3 dias e sua voz foi considerada normal após 36 meses. Ele conseguiu engolir sem aspirar 3 meses após a cirurgia, mas manteve sua traqueostomia como precaução. A laringe foi explantada após quatorze anos e meio por rejeição crônica.

O segundo transplante foi realizado nos Estados Unidos, em 2012, para uma mulher de 51 anos com estenose laringotraqueal adquirida. Ela já estava em imunossupressão de longo prazo para um transplante de rim-pâncreas. Conseguiu falar aos 14 dias e sua voz estava quase normal 18 meses após o transplante. Aos 11 meses, conseguiu comer uma dieta normal, mas continua dependente do tubo de traqueostomia.

O terceiro transplante laríngeo foi realizado na Polônia, em 2015, em  um homem de 34 anos em imunossupressão para um transplante de rim. Ele desenvolveu câncer de células escamosas laríngeas T3N1 e foi submetido à laringectomia total com radiação pós-operatória. Esse paciente desenvolveu fístulas e infecções graves após a radioterapia, mas estava livre de câncer de laringe por 6 anos no momento de seu TL e foi considerado curado. A produção inicial da voz ocorreu aos 14 dias e aos 2 anos falava normalmente. Foi o primeiro paciente de TL a ter sua traqueostomia fechada.

Casos como esses demonstram que o TL pode ser uma opção viável para candidatos selecionados e resultar em melhora significativa da qualidade de vida. No entanto, o uso generalizado do TL não foi adotado por vários motivos, explica David Lott. “A cirurgia é tecnicamente difícil e requer uma equipe colaborativa. Além disso, em razão da reinervação dos nervos laríngeos recorrentes, a função das pregas vocais é difícil de prever. A imunossupressão vitalícia necessária e seus riscos associados impedem muitos cirurgiões de realizar o TL. O dogma atual impede o uso da imunossupressão em pacientes com câncer ativo, com a preocupação de aumentar o risco de recorrência ou metástase, limitando significativamente o número de potenciais candidatos ao TL, já que a maioria dos pacientes que se beneficiariam tem câncer de laringe”, diz.

Para buscar saídas, a equipe da Mayo Clinic estabeleceu o Programa de Transplante de Laringe e Traqueia, com o objetivo de ampliar evidências sobre a segurança e eficácia do TL através de ensaios clínicos.

Aceito como o primeiro paciente do programa, Marty Kedian, um homem de 59 anos diagnosticado com condrossarcoma de baixo grau, uma forma rara de câncer de laringe,  tornou-se o primeiro paciente da Mayo Clinic a passar por um transplante total de laringe. Kedian passou por dezenas de cirurgias, que acabaram roubando sua voz e sua capacidade de engolir e respirar normalmente. "Eu não queria uma laringectomia. Queria encontrar uma maneira de recuperar minha qualidade de vida", diz ele.

O TL abriu essa possibilidade e foi realizado pela equipe do Arizona em 29 de fevereiro deste ano. Seis cirurgiões da Mayo Clinic conduziram o transplante de 21 horas, que incluiu laringe, faringe, traqueia superior, esôfago superior, glândulas tireoide e paratireoide, vasos sanguíneos e nervos.

Quatro meses após a cirurgia, Kedian pode falar com sua nova voz, engolir e respirar sozinho. "O paciente já recuperou cerca de 60% da voz, o que eu não imaginava que fosse acontecer antes de um ano”, disse Lott.  “Nossos esforços demonstraram a viabilidade e o desejo de pacientes por TL. Até o momento, mais de 60 pacientes foram encaminhados por provedores externos, auto-referidos ou recrutados dentro do nosso hospital”, sinaliza, indicando que o ensaio clínico deve prosseguir ampliando a base de evidências. "Este ensaio clínico nos permite conduzir uma verdadeira investigação científica, com o objetivo de pesquisar exaustivamente a segurança e a eficácia do transplante de laringe como opção confiável para os pacientes”.

A American Cancer Society estima 12.650 novos casos de câncer de laringe nos EUA este ano.