O tromboembolismo venoso está associado à morbidade e mortalidade significativas do paciente e pode levar a atrasos no tratamento do câncer. Revisão sistemática com meta-análise demonstra incidência de 10% de tromboembolia venosa em pacientes com câncer de ovário avançado recebendo quimioterapia neoadjuvante, sugerindo papel para a tromboprofilaxia universal nesta população. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) analisa os resultados.
Nesta revisão, Black et al. lembram que pacientes com câncer apresentam risco aumentado de tromboembolia venosa, o que resulta em morbidade significativa, custos de saúde e mortalidade. As razões para esse risco aumentado em pacientes com câncer de ovário são multifatoriais e se relacionam com a tríade de Virchow, incluindo estase venosa de ascite ou massas, atividade pró-coagulante do câncer e dano endotelial do tratamentos de câncer. Estudos demonstraram que pacientes com câncer de ovário que apresentam tromboembolia venosa têm pior sobrevida global em comparação com aquelas que não apresentam.
Os pesquisadores buscaram identificar a incidência de tromboembolismo venoso em pacientes com câncer de ovário avançado recebendo quimioterapia neoadjuvante e identificar fatores de risco para tromboembolismo venoso.
Uma busca sistemática de literatura em bancos de dados biomédicos, incluindo Ovid Medline, Web of Science, Scopus, CINAHL e Embase foi realizada em 6 de dezembro de 2022 e atualizada em 21 de dezembro de 2023 para artigos revisados por pares. Foram incluídos estudos de coorte ou ensaios clínicos randomizados que avaliaram a incidência de tromboembolismo venoso em pacientes com câncer de ovário recebendo quimioterapia neoadjuvante. A avaliação de risco de viés foi realizada usando a Escala Newcastle Ottawa para estudos de coorte e a ferramenta de risco de viés Cochrane para ensaios clínicos randomizados. A meta-análise de efeitos aleatórios foi usada para reunir os resultados entre os estudos.
Os resultados foram relatados no International Journal of Gynecologic Cancer. Um total de 2.636 estudos foram selecionados e 11 foram incluídos na revisão. Dez eram estudos de coorte retrospectivos e um era um ensaio clínico randomizado e controlado.
A incidência de tromboembolismo venoso nos estudos incluídos variou de 0% a 18,9%. Os autores descrevem que a taxa de incidência combinada de tromboembolismo venoso foi de 10% (intervalo de confiança (IC) de 95% de 7% a 13%). Isso permaneceu significativo quando restrito apenas a estudos com baixo risco de viés (incidência combinada de 11%, IC de 95% de 9% a 14%). O índice de massa corporal de ≥30 kg/m2 foi um fator de risco significativo para tromboembolia venosa com razão de risco combinada de 1,76 (IC de 95% de 1,13 a 2,76)
“ Os resultados deste estudo demonstraram uma incidência de 10% de tromboembolia venosa para pacientes com câncer de ovário avançado recebendo quimioterapia neoadjuvante”, concluem os autores, observando que o índice de massa corporal ≥30 kg/m2 aumentou o risco de tromboembolia venosa nessas pacientes. “Além disso, a tromboembolia venosa durante a quimioterapia neoadjuvante pode impactar as taxas e o tempo da cirurgia de redução de volume de intervalo e a sobrevida global. Isso sugere que pode haver um papel para a tromboprofilaxia universal nesta população”, destacam.
A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.
O estudo em contexto
Por Maria Del Pilar Estevez Diz
Oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP e da Oncologia D’Or – Onco Star e Hospital São Luiz do Itaim
O tromboembolismo venoso (TEV) é uma causa importante de morbidade e mortalidade em pacientes com câncer, particularmente em tratamento com quimioterapia, e o câncer ginecológico é um fator de risco importante. Essa revisão sistemática aponta para um risco aumentado em pacientes em tratamento neoadjuvante para o câncer de ovário, com a recomendação de profilaxia para TEV. Cabe ressaltar que a maioria dos estudos é de coorte retrospectiva.
A ASCO atualizou recentemente as diretrizes para TEV. Nessas diretrizes a profilaxia de trombose de rotina não é recomendada. Entretanto, é sugerido que, para pacientes de alto risco para TEV, baseado em um indicador objetivo, o escore de Khorana > 2, seja discutida a profilaxia com apixabana, rivaroxabana ou heparina de baixo peso molecular, desde que não existam fatores de risco para sangramento ou interações medicamentosas. Sempre essa discussão deve ser compartilhada com o paciente, considerando risco e benefícios.
O escore de Khorana é objetivo e de fácil aplicação e pode ser um instrumento objetivo para a consideração de profilaxia de TEV nessa população.
Características do paciente | Escore de risco |
Sítio primário do câncer | |
Risco muito alto (estômago, pâncreas) | 2 |
Risco alto (pulmão, linfoma, ginecológico, vesícula, testículo | 1 |
Plaquetas pré quimioterapia > 350 x 109/L | 1 |
Hb < 10 g/dL | 1 |
Leucócitos pré quimioterapia > 11 x 109/L | 1 |
IMC > 35 kg/m2 | 1 |
Escore total | Risco de TEV sintomático |
0 | Baixo (0,8-3%) |
1-2 | Intermediário (1,8-8,4%) |
> 2 | Alto |
Referência:
- Black KA, Bowden S, Chu P, et al - Incidence of venous thromboembolism in patients with ovarian cancer receiving neoadjuvant chemotherapy: systematic review and meta-analysis
International Journal of Gynecologic Cancer 2024;34:855-862. - Key NS et al. JCO 2023;41:3063-3071
- Khorana AA et al. Blood 2008;111:4902-4907