Onconews - Microbioma e resistência androgênica no câncer de próstata

daniel araujo bxA resistência à terapia de privação androgênica (ADT) no câncer de próstata pode derivar da expansão de bactérias intestinais que sintetizam andrógenos. As descobertas foram reportadas na Science por Pernigoni, N. et al. e destacam o metabolismo hormonal no microbioma como alvo potencial para melhorar as respostas ao tratamento do câncer de próstata. Quem discute os resultados do trabalho é o oncologista Daniel Vilarim Araujo (foto), chefe do serviço de oncologia clínica do Hospital de Base, em São José do Rio Preto/SP.

Evidências crescentes implicam o microbioma na modulação da eficácia de drogas anticâncer. Agora, este estudo explora a contribuição da microbiota intestinal no câncer de próstata resistente a castração (CPRC).

“Descobrimos que a privação de andrógenos em camundongos e humanos promove a expansão da microbiota comensal que contribui para o início da resistência à castração em camundongos”, descrevem os autores.

A microbiota compreende os microrganismos que vivem em contato próximo com o hospedeiro, com benefício mútuo para ambas as contrapartes. Nesta análise, os pesquisadores enriqueceram a microbiota intestinal de camundongos com espécies capazes de converter precursores de andrógenos em andrógenos ativos.

A ablação da microbiota intestinal com terapia antibiótica atrasou o surgimento da resistência à castração, mesmo em camundongos imunodeficientes. Em contraste, o transplante de microbiota fecal (TMF) de camundongos com CPRC ou pacientes com CPRC promoveu o surgimento de resistência a castração em camundongos. O crescimento do tumor foi controlado por FMT de pacientes com câncer de próstata hormônio sensível ou a administração da espécie Prevotella stercorea.

“Esses resultados revelam que a microbiota intestinal comensal contribui para a resistência endócrina no CPRC, fornecendo uma fonte alternativa de andrógenos”, destacam os autores.

Este estudo sugere que os níveis mais baixos de andrógenos após a castração estimulam o crescimento de micróbios intestinais produtores de andrógenos, que neutralizam os efeitos inicialmente positivos da terapia de privação de andrógenos em camundongos com câncer de próstata. Resta saber se as terapias antibacterianas ajudarão a controlar a resistência à castração também em humanos.

Para Vilarim, é um estudo bastante interessante que demonstra que bactérias presentes na microbiota tanto de camundongos, quanto de humanos com CPCR são capazes de estimular/produzir a produção de andrógenos, particularmente DHEA e testosterona. “Os autores teorizam que a microbiota intestinal pode ter papel na transformação de pacientes com câncer de próstata castração sensível para castração resistente. Tal descoberta abre a oportunidade para investigar estratégias de manipulação da microbiota intestinal como adjuvantes do tratamento oncológico também em pacientes portadores de câncer de próstata”, diz, acrescentando que o papel da microbiota como adjuvante do tratamento oncológico, principalmente em pacientes em tratamento com imunoterapia, é atualmente alvo de grande interesse da comunidade científica.

“Um dos desafios apontados pelos autores no contexto de próstata, entretanto, é que a história natural de transformação de castração sensível para castração resistente leva vários meses, em muitos casos anos, sendo difícil/moroso investigar a relevância de tal manipulação. Mesmo assim, o conceito de interdependência da microbiota intestinal com a fisiologia/fisiopatologia do organismo/doenças vem se consolidando, tornando cada vez mais importante ser consciente com os alimentos que comemos e quais medicações usamos, por exemplo, antibióticos”, conclui.

Referência: Pernigoni N et al. Commensal bacteria promote endocrine resistance in prostate cancer through androgen biosynthesis. Science 2021 Oct 8; 374:216.https://doi.org/10.1126/science.abf8403