Onconews - MILES: cisplatina em primeira linha em idosos com CPNPC avançado

Clarissa Baldotto NET OKPublicada no Journal of Clinical Oncology (JCO), uma análise combinada dos estudos de fase III MILES-3 e MILES-4 demonstrou que a adição de cisplatina à quimioterapia de agente único no tratamento em primeira linha de pacientes idosos com câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC) avançado não prolonga significativamente a sobrevida global e nem melhora a qualidade de vida. “O grande mérito deste estudo foi demonstrar que a quimioterapia é uma opção para pacientes idosos, e principalmente que esta população pode e deve ser incluída em estudos clínicos”, afirma a oncologista Clarissa Baldotto (foto), Diretora Médica do Americas Centro de Oncologia Integrado, no Rio de Janeiro.

Segundo Baldotto, o câncer de pulmão é uma das neoplasias mais frequentes e a responsável pela maior taxa de mortalidade por câncer em todo o mundo, inclusive no Brasil, e de uma forma geral acomete mais pacientes idosos do que jovens. “Por esta razão a análise combinada dos estudos MILES-3 e 4, publicada no Journal of Clinical Oncology é bastante importante”, diz.

Métodos e resultados

Pacientes com CPNPC avançado com idade acima de 70 anos e performance status ECOG 0 a 1 foram aleatoriamente designados para receber gencitabina ou pemetrexede, com ou sem cisplatina. Em cada ensaio, 382 eventos foram necessários para detectar um hazard ratio (HR) de morte de 0,75, com 80% de poder e α bicaudal de 0,05.

Os estudos foram fechados prematuramente devido à lentidão do recrutamento, mas o banco de dados conjunto permitiu analisar a eficácia da cisplatina com base na intenção de tratar ajustada por estudo, histotipo, medicamento não-platina, estádio, performance status, sexo, idade e tamanho do centro de estudo.

Entre março de 2011 a agosto de 2016, 531 pacientes (MILES-3, 299; MILES-4, 232) foram designados para gencitabina ou pemetrexede sem (n = 268) ou com cisplatina (n = 263). A mediana de idade foi de 75 anos, 79% eram do sexo masculino e 70% tinham histologia não escamosa. Em um follow-up mediano de 2 anos, foram registrados 384 óbitos e 448 eventos de sobrevida livre de progressão.

A sobrevida global não foi significativamente prolongada com cisplatina (HR, 0,86; 95% IC, 0,70 a 1,05; P = 0,14) e o escore global de qualidade de vida não melhorou, enquanto a sobrevida livre de progressão (HR, 0,76; 95% IC, 0,63 a 0,92; P = 0,005) e a taxa de resposta objetiva (15,5% v 8,5%; P = 0,02) foram significativamente melhores. Os pacientes que receberam cisplatina apresentaram toxicidade hematológica significativamente mais grave, fadiga e anorexia.

Em editorial, os oncologistas Paul A. Bunn Jr and Anastasios Dimou, da Universidade do Colorado Cancer Center, observam que apesar dos resultados mostrarem que o doublet baseado em cisplatina não devem ser a terapia padrão de primeira linha para esse subgrupo de pacientes, esta conclusão não deve ser aplicada para todas as quimioterapias duplas, especialmente aquelas que utilizam carboplatina e/ou pemetrexede. “Além disso, as conclusões não se aplicam a terapias moleculares mais novas ou a imunoterapias”, afirmam.

“Com relação à quimioterapia, os dados são limitados a pacientes com PS 0 a 1 e a adequação à quimioterapia varia consideravelmente entre pacientes idosos com PS 0 a 1 devido a fatores como múltiplas condições crônicas, polifarmácia, síndromes geriátricas e fragilidade.5 Algumas evidências de que avaliações geriátricas abrangentes usando escalas publicadas podem ajudar a orientar as decisões de tratamento, mas essas escalas podem não ser superiores ao julgamento clínico isoladamente”5, ressaltam.

Eles acrescentam que a questão pode não ter uma resposta universal por causa da heterogeneidade das características clínicas entre os idosos. “Em última análise, os médicos precisam usar seu julgamento e incluir a preferência informada pelo paciente e a qualidade de vida, além dos endpoints de sobrevida, para a tomada de decisão."

Para Baldotto, a análise teve como pontos fortes a inclusão de uma população idosa e a preocupação em analisar dados de qualidade de vida e de fragilidade dos pacientes. “Entretanto, não é uma publicação que muda nossa prática clínica”, observa. “Como pontos fracos ressalto a dificuldade de recrutamento e a utilização de cisplatina (o que não reflete a prática diária da maioria dos oncologistas).  Além disso, o tratamento do câncer de pulmão mudou radicalmente nos últimos anos, com a expansão da terapia-alvo e inclusão da imunoterapia. Neste sentido, a análise deixou de refletir a realidade atual”, conclui.

Referência: Cisplatin-Based First-Line Treatment of Elderly Patients With Advanced Non–Small-Cell Lung Cancer: Joint Analysis of MILES-3 and MILES-4 Phase III Trials - Cesare Gridelli et alDOI: 10.1200/JCO.2017.76.8390 Journal of Clinical Oncology - published online before print July 20, 2018