Resultados do maior estudo já realizado para avaliar duas técnicas de radioterapia na oncologia torácica mostram que a radioterapia estereotática corpórea (SBRT) pode levar a melhores resultados de sobrevida em comparação com a radioterapia convencional fracionada (CFRT) em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas em estágio inicial. O radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), médico responsável pelos Serviços de Radioterapia dos Hospitais BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo - e BP Mirante, analisa os achados.
O estudo utilizou a base de dados do National Cancer Database (2004-2015) e considerou pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas com doença inicial (cT1-2aN0M0) confirmada histologicamente, submetidos a CFRT ou SBRT. A análise de Kaplan-Meier avaliou a sobrevida global (SG) e a modelos de riscos proporcionais de Cox determinaram variáveis associadas com sobrevida global.
Resultados
Neste estudo retrospectivo foram analisados dados de 23.088 pacientes, dos quais 2286 (10%) receberam CFRT e 20.802 (90%) foram tratados com SBRT. Os autores registram que a SBRT foi empregada com menor frequência ”em afro-americanos, pacientes com menor renda, localização urbana, comorbidades maiores, em centros não-acadêmicos, em tumores maiores e de histologia escamosa (p <0,05 para todos)”.
Os resultados de sobrevida mostram que pacientes tratados com SBRT tiveram mediana de SG mais alta (38,8 meses vs. 28,1 meses, p <0,001). No acompanhamento médio de 44,6 meses, a mediana de SG para o grupo SBRT foi de 38,8 meses versus 28,1 meses para CFRT (p <0,001).
A superioridade da SBRT também foi verificada em análises de subgrupos, com maior SG em múltiplas coortes (T2, escore de comorbidade de Charlson 2 a 3, histologia escamosa). A SBRT também foi independentemente associada com SG na análise multivariada de Cox (p <0,001).
Em conclusão, o maior estudo deste tipo até hoje, compreendendo mais de 23 mil pacientes, demonstrou o benefício de sobrevida com SBRT no CPNPC inicial.
SBRT é tratamento padrão no câncer de pulmão de células não pequenas estádios T1/T2 N0 clinicamente inoperáveis
Por Robson Ferrigno
As análises de banco de dados envolvem quantidades consideráveis de pacientes, porém, possuem baixo nível de evidência por serem estudos retrospectivos (nível 3). Além disso, o desfecho analisado é apenas sobrevida, uma vez que o banco informa se os pacientes estão vivos ou mortos. Não há avaliação de outras variáveis, como controle da doença local ou a distância, complicações e qualidade de vida. No estudo em questão, foram comparadas quantidades muito distantes de pacientes entre os dois grupos (2286 versus 20.802), o que prejudica o poder estatístico da comparação. Ele é apenas um importante gerador de hipótese que precisa ser comprovada com estudos prospectivos e randomizados.
A literatura já havia demonstrado em análises retrospectivas de diferentes grupos que a SBRT possui resultados melhores do que a radioterapia de fracionamento convencional no controle do câncer de pulmão inicial de células não pequenas. Em 2016, foi publicado o primeiro estudo prospectivo e randomizado que comparou SBRT com radioterapia de fracionamento convencional. O estudo chamado SPACE, randomizou 102 pacientes estádio I de células não pequenas, considerados inoperáveis, entre SBRT com dose de 66 Gy em três frações de 22 Gy e radioterapia convencional com dose de 70 Gy em 35 frações. A sobrevida global, a sobrevida livre de progressão e o controle local em três anos foram iguais nos dois grupos. No entanto, pneumonite actínica foi maior no grupo convencional (34% vs 19%), bem como esofagite (30% vs 8%). A qualidade de vida mensurada foi melhor no grupo de SBRT2.
Mesmo que o controle de doença tenha sido igual, a SBRT sai ganhando pelo conforto e logística dos pacientes, uma vez que ela é realizada em três dias úteis contra 35 dias úteis do fracionamento convencional.
No último congresso mundial de pulmão, realizado em Yokohama, no Japão, em outubro de 2017, foi apresentado o segundo estudo randomizado da literatura sobre esse assunto (estudo CHISEL). Foram randomizados 105 pacientes estádios T1 e T2 na proporção de 2:1 para SBRT, sendo 66 tratados com SBRT (3 x 18 Gy ou 4 x 12 Gy) e 35 com fracionamento convencional (20 x 2,5 Gy ou 33 x 2 Gy). Nesse estudo, a sobrevida global em três anos foi estatisticamente superior com SBRT (HR=0.51, CI=0,29 – 0.91; p=0,020) e a probabilidade de falha local em três anos bem menor com a SBRT (HR=0.29, CI=0.13 – 0.66; p=0,002). Os autores concluíram que a radioterapia de fracionamento convencional não é uma alternativa aceitável para tratamento do câncer de pulmão inicial de células não pequenas3.
A análise do banco de dados publicada essa semana, bem como os dois estudos randomizados descritos acima são de fundamental importância para o Brasil, onde as operadoras de saúde e, pior ainda, o SUS, ainda estão relutantes em incorporar tal tecnologia em seus respectivos rols de procedimentos. A SBRT é considerada atualmente como tratamento standard para câncer de pulmão de células não pequenas estádios T1 / T2 N0 clinicamente inoperáveis. Para isso, já temos nível de evidência 1 e grau de recomendação A.
Referências:
1 - Haque W, Verma V, Polamraju P, et al. Stereotactic body radiation therapy versus conventionally fractionated radiation therapy for early stage non-small cell lung cancer [published online July 18, 2018]. Radiother Oncol. doi: 10.1016/j.radonc.2018.07.008.
2 - Nyman J, Hallqvist A, Lund J, et al. SPACE – A randomized study of SBRT vs conventional fractionated radiotherapy in medically inoperable stage I NSCLC. Radiother Oncol 2016.
3 - Ball D, Mai T, Vinod S, et al. CHISEL: A randomized phase III trial of SABR vs conventional radiotherapy for inoperable stage I non-small cell lung câncer. IASLC 18th World Conference on Lung Cancer. October 15-17, 2018.