Onconews - Mutações e resistência à terapia endócrina no câncer de mama

BARRIOS NET OKAs mutações ESR1 são raras no câncer de mama primário, mas apresentam alta prevalência em pacientes tratadas com inibidores de aromatase (IA) para câncer de mama avançado. Estudo publicado dia 4 de outubro no Annals of Oncology mostra os resultados de análises por sequenciamento a partir de biópsia líquida do DNA circulante (ctDNA) em pacientes com câncer de mama avançado. O oncologista Carlos H. Barrios (foto), diretor do LACOG e do Hospital de Câncer Mãe de Deus, comenta o estudo.

O estudo prospectivo inscreveu 83 pacientes com câncer de mama metastático tratadas com inibidores de aromatase na primeira linha. As amostras de plasma foram coletadas a cada 3 meses para avaliar a progressão da doença a partir do DNA circulante em análises de reação em cadeira de polimerase (PCR) e de sequenciamento (eTAm-Seq). As mutações identificadas foram rastreadas e a frequência de novas mutações foi validada em uma coorte independente, que considerou pacientes com sensibilidade prévia a IA a partir de amostras de plasma do estudo SoFEA.

Resultados

Das 39 pacientes que progrediram da doença durante tratamento com IA na primeira linha, 56,4% (22/39) apresentavam mutações de ESR1 detectáveis na progressão, que eram policlonais em 40,9% (9/22) da amostra avaliada. Nas análises de sequenciamento, a presença de mutações ESR1 foi detectada na mediana de 6,7 meses (95% IC 3,7-NA) antes da progressão clínica. Utilizando o sequenciamento de ctDNA e eTAm-Seq, as mutações de ESR1 demonstraram ser subclonais em 72,2% (13/18) das pacientes. As mutações em genes RAS foram identificadas em 15,4% (6/39) das pacientes em progressão (4 KRAS, 1 HRAS, 1 NRAS). Nas análises do SoFEA, as mutações KRAS foram detectadas em 21,2% da amostra (24/113).

A conclusão dos autores é de que os tumores que progridem ao tratamento de primeira linha com IA mostram altos níveis de heterogeneidade genética, com frequentes mutações KRAS subclonais.

Heterogeneidade tumoral e resistência endócrina no câncer de mama

Por Carlos H. Barrios, diretor do LACOG e do Hospital de Câncer Mãe de Deus

A resistência primária ou o desenvolvimento de resistência secundária ou adquirida aos tratamentos disponíveis é provavelmente uma das principais barreiras, se não a mais importante, no tratamento do câncer.

A tecnologia de sequenciamento, que a partir da análise de qualquer amostra biológica permite definir diferentes perfis de alterações moleculares, tem resultado na caracterização de múltiplos subgrupos, antes não reconhecíveis pela exploração histológica ou imunohistoquímica.

Além desta heterogeneidade espacial, é fundamental entender que existe uma heterogeneidade temporal, crítica para a evolução dos tumores dada a instabilidade genética de cada neoplasia e a reação natural à pressão terapêutica que induzimos ao iniciar qualquer tratamento.

Na nossa opinião, a mudança de paradigma mais importante recentemente estabelecida no manejo de tumores sólidos foi a necessidade de explorar molecularmente pacientes com câncer de pulmão EGFR mutados em progressão depois de tratamento de primeira linha com um inibidor de EGFR de primeira ou segunda geração. Nesta situação faz-se necessário identificar a presença ou não da mutação T790M, presente em 60% dos casos. O teste desta mutação tem sido realizado em tecido tumoral e em análise molecular de DNA tumoral circulante ou em outros fluidos biológicos (como urina).

No câncer de mama metastático, a identificação de mutações de ESR1 (receptor de estrógeno) tem sido descrita em biópsias de tumores em progressão numa frequência de aproximadamente 30%. Evidências disponíveis indicam que o aparecimento desta mutação seria consequência de exposição prévia (na doença metastática) a inibidores de aromatase e que a mutação determinaria resistência a este grupo de agentes anti-hormonais. Não existem ainda drogas aprovadas que sejam particularmente eficazes nesta situação, mas várias estão em fases iniciais de estudo.

Este estudo apresentado por Fribbens et al, é um claro exemplo de como estamos evoluindo na compreensão molecular. Não somente se documenta o aparecimento de mutações que definem resistência e justificam a progressão da doença, como isto pode ser feito meses antes da documentação clínica e radiológica da progressão. Isto abre a perspectiva de questionar se trocamos o tratamento mais cedo, somente com base na detecção da mutação no DNA tumoral circulante, e se isto ofereceria benefícios à paciente.

Um novo campo de investigação clínica se estabelece com perguntas que estão sustentadas por um diagnóstico molecular que sem dúvida se tornará rotina na prática clínica. A tecnologia de sequenciamento deverá revolucionar a prática clínica nos próximos anos.

Referências:

Tracking evolution of aromatase inhibitor resistance with circulating tumour DNA analysis in metastatic breast cancer - Charlotte Fribbens et al - Annals of Oncology, , mdx483 - https://doi.org/10.1093/annonc/mdx483