A quimioterapia com paclitaxel, cisplatina e capecitabina melhora a sobrevida livre de falhas em comparação com cisplatina e fluorouracil como tratamento de indução antes da quimiorradioterapia concomitante para pacientes com carcinoma de nasofaringe estágio IVA a IVB. É o que relatam Li et al. em artigo publicado online 24 de março no Jama Oncology. A oncologista Aline Lauda Chaves (foto), presidente do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP) e médica da DOM Oncologia, comenta os resultados.
Neste ensaio clínico randomizado multicêntrico de Fase 3, os pesquisadores inscreveram pacientes de 4 hospitais na China, no período de 20 de outubro de 2016 a 29 de agosto de 2019. Foram considerados pacientes de 18 a 65 anos de idade, virgens de tratamento, com carcinoma de nasofaringe estágio IVA a IVB (não queratinizante) e bom status de desempenho (ECOG 0 a 1).
Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para receber quimioterapia de indução com dois ciclos de 21 dias de TPC (paclitaxel intravenoso [150 mg/m2, dia 1], cisplatina intravenosa [60 mg/m2, dia 1] e capecitabina oral [1000 mg/m2 por via oral duas vezes ao dia, dias 1-14]) ou PF (cisplatina intravenosa [100 mg/m2, dia 1] e fluorouracil [800 mg/m2 diariamente, dias 1-5]), seguido de quimiorradioterapia. O endpoint primário foi a sobrevida livre de falhas na população com intenção de tratar. Endpoints secundários incluíram sobrevida livre de metástases à distância, sobrevida livre de recidiva locorregional, sobrevida global, resposta tumoral e segurança.
No geral, 238 pacientes elegíveis (187 homens [78,6%]; idade mediana, 45 anos [variação, 18-65 anos]) foram randomizados para receber TPC (n = 118) ou PF (n = 120). Em um seguimento mediano de 48,4 meses (IQR, 39,6-53,3 meses), a sobrevida livre de falhas em 3 anos foi de 83,5% (95% CI, 77,0%-90,6%) no grupo TPC e de 68,9% (95% CI, 61,1%-77,8%) no grupo PF (taxa de risco estratificada [HR] para recorrência ou morte, 0,47; IC 95%, 0,28-0,79; P = ,004). A indução com o regime TPC resultou em redução significativa no risco de metástases à distância (HR estratificado, 0,49 [IC 95%, 0,24-0,98]; P = ,04) e na recorrência locorregional (HR estratificado, 0,40 [IC 95%, 0,18] -0,93]; P = ,03) em comparação com o regime PF. No entanto, não houve efeito na sobrevida global precoce (HR estratificada, 0,45 [IC 95%, 0,17-1,18]; P = ,10).
Em relação ao perfil de segurança, a incidência de eventos adversos de grau 3 a 4 e toxicidades de início tardio foram de 57,6% (n = 68) e 13,6% (16 de 118), respectivamente, no grupo TPC e de 65,8% (n = 79) e 17,9% (21 de 117), respectivamente, no grupo PF. Uma morte relacionada ao tratamento ocorreu no grupo PF.
Em conclusão, a quimioterapia de indução com TPC é mais eficaz do que com PF para pacientes com carcinoma de nasofaringe estágio IVA a IVB, melhorando a sobrevida, sem aumento no perfil de toxicidade.
Aline ressalta que apesar de raro no Brasil, o câncer de nasofaringe é um desafio para todos os oncologistas pela complexidade de seu tratamento, no que tange principalmente a localização e estruturas envolvidas e seu estadiamento avançado ao diagnóstico na maioria das vezes. “Há muitos anos sabemos da quimiosensibilidade desta neoplasia, sendo a quimioterapia concomitante a radioterapia seguida de quimioterapia adjuvante o tratamento padrão até alguns anos atrás. A quimioterapia de indução, porém, substituiu a quimioterapia adjuvante se mostrando mais eficaz provavelmente pelo maior compliance dos pacientes (maior exposição a droga), melhor tolerabilidade e, possivelmente, por agir precocemente nas micrometástases”, avalia.
A especialista esclarece que desde o estudo de Sun et al2, a DCF (docetaxel, platina e fluorouracil) passou a ser um esquema padrão de indução no câncer de nasofaringe localmente avançado (CNLA). “Com a publicação do estudo de Zhang et al3, gemcitabina associada a platina se firmou como boa opção também no contexto do CNLA, seguido de radioterapia associado a platina. O estudo de Li et al, discutido nesse artigo, tem como ponto de interessante a substituição do fluorouracil infusional pela capecitabina e sua factibilidade quando associado a platina e taxano”, observa.
“Por fim, quimioterapia de indução, diferente dos demais subsítios da cabeça e pescoço, tornou-se o tratamento padrão do câncer de nasofaringe localmente avançado, sendo possível usar esquemas, como o proposto por Li, o clássico DCF, ou até mesmo gemcitabina e cisplatina. A individualização do tratamento é o ponto chave na condução dos pacientes”, conclui Aline.
Este estudo está registrado na ClinicalTrials.gov: NCT02940925.
Referências:
1 - Li W, Lv X, Hu D, et al. Effect of Induction Chemotherapy With Paclitaxel, Cisplatin, and Capecitabine vs Cisplatin and Fluorouracil on Failure-Free Survival for Patients With Stage IVA to IVB Nasopharyngeal Carcinoma: A Multicenter Phase 3 Randomized Clinical Trial. JAMA Oncol. Published online March 24, 2022. doi:10.1001/jamaoncol.2022.0122
2 - Sun Y, Li W-F, Chen N-Y, Zhang N, Hu G-Q, Xie F-Y, et al. Induction chemotherapy plus concurrent chemoradiotherapy versus concurrent chemoradiotherapy alone in locoregionally advanced nasopharyngeal carcinoma: a phase 3, multicentre, randomised controlled trial. Lancet Oncol [Internet]. 2016 Nov 1;17(11):1509–20. Available from: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30410-7
3 - Zhang Y, Chen L, Hu GQ, Zhang N, Zhu XD, Yang KY, Jin F, Shi M, Chen YP, Hu WH, Cheng ZB, Wang SY, Tian Y, Wang XC, Sun Y, Li JG, Li WF, Li YH, Tang LL, Mao YP, Zhou GQ, Sun R, Liu X, Guo R, Long GX, Liang SQ, Li L, Huang J, Long JH, Zang J, Liu QD, Zou L, Su QF, Zheng BM, Xiao Y, Guo Y, Han F, Mo HY, Lv JW, Du XJ, Xu C, Liu N, Li YQ, Chua MLK, Xie FY, Sun Y, Ma J. Gemcitabine and Cisplatin Induction Chemotherapy in Nasopharyngeal Carcinoma. N Engl J Med. 2019 Sep 19;381(12):1124-1135. doi: 10.1056/NEJMoa1905287. Epub 2019 May 31. PMID: 31150573.