Cristiane Bergerot, psico-oncologista do Centro de Câncer de Brasília e do Instituto Unity de Ensino e Pesquisa, e Sumanta Pal, oncologista do City of Hope Comprehensive Cancer Center, são coautores de artigo1 publicado na Nature Medicine que discute os resultados de dois grandes estudos que exploram os fatores associados a transtornos psiquiátricos e tentativas de suicídio em uma grande amostra de pacientes com câncer2,3. “Ao incorporar dados de milhões de pacientes, esses estudos destacam a necessidade de um programa de avaliação seriada e acesso ao serviço de psico-oncologia”, destacam.
O diagnóstico de câncer e seu tratamento estão associados a elevados níveis de distress emocional, baixa qualidade de vida e menor envolvimento em comportamentos de promoção da saúde. Estudos anteriores pesquisaram sobre a natureza generalizada do distress e transtornos psiquiátricos em pacientes com câncer, bem como sua associação com características sociodemográficas e clínicas e seu papel na adesão ao tratamento, na adoção de comportamentos saudáveis e na adaptação no longo prazo. “Estima-se que quase um quarto dos pacientes apresenta algum grau de depressão, enquanto um quarto adicional preenche os critérios para um transtorno de adaptação ou transtorno de ansiedade, com taxas semelhantes entre os pacientes com doença metastática ou localizada 4”, esclarecem os autores. “Essas evidências impulsionaram o desenvolvimento e a implementação de protocolos de avaliação de distress que podem ajudar na identificação desses sintomas e no planejamento terapêutico5,6”, acrescentam.
Em um dos trabalhos publicados nesta edição do periódico, Chang e Lai utilizaram um extenso banco de dados da Inglaterra. A amostra foi composta por 459.542 pacientes diagnosticados com 26 tipos diferentes de câncer entre 1998 e 20202. Observou-se uma maior prevalência de transtornos psiquiátricos entre os pacientes com câncer de testículo, incluindo depressão, transtorno de ansiedade, esquizofrenia, transtorno de personalidade e transtorno bipolar. Os autores também ressaltam que pacientes que receberam múltiplos tratamentos – quimioterapia, radioterapia e cirurgia – eram mais propensos a apresentar algum distúrbio psiquiátrico, assim como aqueles que receberam drogas quimioterápicas convencionais agressivas, como agentes alquilantes. Em contraste, uma menor prevalência de transtorno psiquiátrico foi reportada por os pacientes tratados apenas com radioterapia ou inibidores de quinase.
“Embora a ansiedade e a depressão sejam os transtornos psiquiátricos mais frequentemente relatados e investigados, este estudo avança no campo fornecendo estimativas de diagnósticos de saúde mental crônica, incluindo esquizofrenia, transtornos de personalidade e transtornos bipolares”, avaliam os autores.
No outro estudo publicado nesta edição da Nature Medicine, Heinrich et al. realizaram uma revisão sistemática e meta-análise do risco de suicídio entre 46.952.813 pacientes com câncer (69.398 pacientes (0,1%) morreram por suicídio)3. Os autores destacam a descoberta de que os pacientes com câncer têm um risco aumentado (quase duas vezes) de morrer por suicídio, quando comparado com a população em geral, tal como descrito na tabela abaixo:
Graduação do Risco | Fator de Risco |
Baixo | Bom prognóstico (sobrevida em cinco anos maior do que 90%) Tempo superior a um ano pós diagnóstico Câncer gênero-específico |
Intermediário | Estado civil – casado Residente na Europa, Austrália ou Ásia Câncer não gênero-específico (em mulheres) Doença localizada Prognóstico intermediário (sobrevida em cinco anos entre 50 a 90%) |
Alto | Estado civil – solteiro Residente nos Estados Unidos Diagnóstico recente (1 ano) Doença avançada Pior prognóstico (sobrevida em cinco anos inferior a 50%) |
Bergerot e Pal observam que apesar das diferentes abordagens metodológica e resultados descritos, os dois estudos enfatizam a enorme importância do trabalho contínuo para implementar programa de avaliação seriada e melhorar o suporte psico-oncológico, a fim de identificar esses transtornos psiquiátricos e reduzir suas consequências (como o suicídio). “A U.S. Food and Drug Administration delineou conceitos centrais para avaliação de Patient-Reported Outcomes (PROs), incluindo a avaliação do bem-estar emocional que, considerando esses estudos, deve permanecer um componente crucial nas pesquisas de mundo real e de ensaios clínicos7”, avaliam.
Os autores ressaltam que o surgimento de novos tratamentos, como os inibidores de checkpoint imunológico e terapias-alvo, os desfechos clínicos têm melhorado consideravelmente. “No domínio do câncer renal, que representa nosso foco clínico, a mediana de sobrevida na doença avançada quase quadruplicou nas últimas três décadas8,9. Em meio a essas melhorias, juntamente com a inovação contínua em cirurgia e radioterapia, aumenta o grupo de sobreviventes e, consequentemente, o risco de transtornos psiquiátricos agudos e crônicos durante e além do seu tratamento. Em um ambiente com recursos limitados, a resultados publicados nesses estudos podem ajudar na implementação de programas de avaliação e tratamento psico-oncológico. Uma estratégia sensata pode ser abordar os pacientes no início do tratamento, em especial, no primeiro ano após o diagnóstico, e colocar um foco especial nos cânceres com maior prevalência de doenças psiquiátricas e/ou risco de suicídio”, concluem.
Referências:
1 - Bergerot, C.D., Pal, S.K. Shining a light on the psychological burden of cancer. Nat Med (2022). https://doi.org/10.1038/s41591-022-01763-w
2 - Chang, W. H. & Lai, A. G. Nat. Med. https://doi.org/10.1038/s41591-022-01740-3 (2022).
3 - Heinrich, M. et al. Nat. Med. https://doi.org/10.1038/s41591-022-01745-y (2022).
4 - Mitchell, A. J. et al. Lancet Oncol. 12, 160–174 (2011).
5 - Riba, M. B. et al. J. Natl. Compr. Canc. Netw. 17, 1229–1249 (2019).
6 - Bultz, B. D. & Carlson, L. E. J. Clin. Oncol. 23, 6440–6641 (2010).
7 - US Food and Drug Administration. https://www.fda.gov/regulatory-information/search-fda-guidance-documents/core-patient-reported-outcomes-cancer-clinical-trials (2021).
8 - Choueiri, T. K. & Motzer, R. J. N. Engl. J. Med. 376, 354–366 (2017).
9 - Loo, V., Salgia, M., Bergerot, P., Philip, E. J. & Pal, S. K. Target. Oncol. 14, 639–645 (2019).