A radioterapia estereotática corporal (SBRT), que oferece doses mais altas de radioterapia administradas normalmente em cinco sessões, é tão eficaz quanto a radioterapia convencional no tratamento de pacientes com câncer de próstata localizado de risco intermediário. Os resultados são do estudo de Fase 3 PACE B (Prostate Advances in Comparative Evidence), apresentado em sessão plenária no ASTRO 2023. “Diversos guidelines mundiais já incorporaram a SBRT para essa subpopulação, e essa tendência só vai aumentar”, avalia o radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto).
As principais opções de tratamento para o câncer de próstata localizado incluem vigilância ativa, radioterapia ou cirurgia para remoção da próstata. SBRT é uma forma avançada de radioterapia destrói tumores com doses mais altas de radiação administradas em um pequeno número de sessões ambulatoriais. A abordagem utiliza técnicas avançadas de imagem e planejamento de tratamento para fornecer radiação com extrema precisão, minimizando danos ao tecido saudável circundante. Os pacientes que escolhem a radioterapia para câncer de próstata de risco intermediário normalmente recebem tratamento entre 20 a 40 doses diárias (ou frações), enquanto o SBRT é normalmente administrado em cinco ou menos sessões.
O PACE B é um estudo de Fase 3 multicêntrico, internacional, randomizado e controlado, que avalia se a SBRT é não inferior à radiação convencional fracionada no tratamento de pacientes com câncer de próstata localizado de risco intermediário. A não inferioridade foi medida pelo fato de os pacientes permanecerem livres de falha bioquímica (BCF), definida como aumento nos níveis de PSA, metástases à distância ou outras evidências de recidiva, ou morte por câncer de próstata.
A partir de 38 centros no Reino Unido e no Canadá, foram incluídos 874 pacientes (mediana de 69,8 anos de idade) que optaram pelo tratamento com radioterapia ou eram inelegíveis para a cirurgia. Os pacientes foram randomizados para receber SBRT (n=443), com cinco frações durante uma a duas semanas (dose total de 36,25 Gy), ou radiação padrão (n=441), com 39 frações durante 7,5 semanas (78 Gy) ou 20 frações durante quatro semanas (62 Gy). Nenhum dos pacientes recebeu terapia hormonal. O acompanhamento médio foi de 73,1 meses.
Cinco anos após o tratamento, os pacientes tratados com SBRT tiveram uma taxa livre de eventos de falha bioquímica de 95,7% (93,2% - 97,3%), em comparação com 94,6% (91,9% - 96,4%) para aqueles tratados com radiação convencional, demonstrando a não inferioridade da SBRT (90% CI, valor p para não inferioridade=0,007).
Os eventos adversos foram leves e não foram significativamente diferentes entre os braços de tratamento. Cinco anos após o tratamento, 5,5% dos pacientes que receberam SBRT apresentaram eventos adversos de grau 2 ou superior afetando os órgãos genitais ou urinários, em comparação com 3,2% no grupo convencional (p=0,14). Apenas um paciente em cada braço do estudo apresentou eventos adversos gastrointestinais de grau 2 ou superior (p=0,99).
“O tratamento com radiação padrão já é altamente eficaz e é muito bem tolerado em pessoas com câncer de próstata localizado”, disse Nicholas van As, investigador principal do estudo e diretor médico do Royal Marsden NHS Foundation Trust. “Mas para um sistema de saúde e para os pacientes, ter este tratamento administrado com a mesma eficácia em cinco dias, em vez de quatro semanas, tem enormes implicações, libera recursos valiosos e permite às equipes de radio-oncologia tratar mais pacientes em menos tempo. E poder oferecer um tratamento de baixa toxicidade em cinco dias, com uma taxa de controle de doença em 5 anos de 96%, é animador”, concluiu.
Van As ressalta que os resultados não podem ser extrapolados para todos os pacientes com câncer de próstata. “Noventa por cento dos nossos pacientes apresentavam risco intermediário, mas eram os mais favoráveis do risco intermediário. Esses resultados não se aplicam a pessoas com câncer de maior risco”, observou.
Um novo padrão de tratamento em radioterapia para próstata
Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco)
A radioterapia evoluiu muito nos últimos 20 a 30 anos. Com o desenvolvimento tecnológico e de imagens radiológicas, hoje é possível entregar tratamento com precisão milimétrica.
O hipofracionamento, ou seja, encurtar o número de sessões e aumentar a entrega de radiação por sessão, talvez tenha sido o avanço mais importante e custo-efetivo das últimas décadas e muito impulsionado durante a pandemia. Não só na próstata, mas em quase todos os subtipos histológicos, as pessoas têm se beneficiado e mostrado resultados muito animadores e equivalentes nos seus desfechos.
Um paciente com câncer de próstata costumava receber quase 8 semanas de tratamento de segunda a sexta-feira, tornando-o muito traumático psicologicamente e, muitas vezes, impossível do ponto de vista logístico. Muitos dos pacientes moram longe dos serviços de radioterapia e não têm condições financeiras de transporte ou estadia próxima ao centro de radioterapia. Vale lembrar que o Brasil tem dimensões continentais e ainda temos estados que não têm radioterapia, só para contextualizar o tamanho do problema.
Com o estudo PACE B, temos um novo padrão de tratamento em radioterapia para próstata, além dos esquemas tradicional e hipofracionamento moderado de radioterapia e, claro, a prostatectomia.
Hoje, temos dois estudos de não inferioridade de Fase 3 randomizados de SBRT para próstata (PACE B e HYPO-RT). Esses estudos combinados nos trazem evidência suficiente para colocar a SBRT como o novo padrão de tratamento; porém, ainda não para todos os pacientes. Os dois estudos incluíram majoritariamente pacientes de risco intermediário, sendo apenas 11% de alto risco no HYPO e o PACE B excluiu esses casos. Felizmente, ambos os estudos têm porcentagens pequenas de pacientes de baixo risco, que são hoje considerados ideais para vigilância ativa.
O que esses estudos mostram é um excepcional resultado de controle da doença em 5 anos (PACE B 95%) com baixíssimas taxas de complicações, sendo quase a totalidade concentrada em grau I ou II. Os diversos guidelines mundiais já incorporaram a SBRT para essa subpopulação, e essa tendência só vai aumentar.
Convenhamos que, sabendo ser equivalente, fazer apenas 05 sessões de um tratamento não invasivo é muito confortável física, psíquica e financeiramente. Porém, ainda vão existir dificuldades. A maior delas é o acesso a este tratamento e tecnologia. A SBRT só pode ser feita por equipes muito treinadas e máquinas de última geração. Pouquíssimos centros têm essa disponibilidade no SUS, por exemplo, além da falta de remuneração específica para a técnica. Ainda aguardamos também dados mais robustos para pacientes de alto risco, que devem sair nos próximos anos em estudos como o PACE C, por exemplo.
Referência: 5-Year Outcomes from PACE B: An International Phase III Randomized Controlled Trial Comparing Stereotactic Body Radiotherapy (SBRT) vs. Conventionally Fractionated or Moderately Hypofractionated External Beam Radiotherapy for Localized Prostate Cancer (LBA 03)