Quais atributos da reconstrução mamária são mais importantes para as mulheres que consideram a cirurgia, considerando aquelas que preferem a reconstrução com retalho versus implante? Estudo transversal que avaliou 406 mulheres quanto à reconstrução mamária mostrou que a morbidade abdominal, o risco de complicações e o número de cirurgias adicionais foram os atributos da reconstrução com maior importância relativa na população analisada. O mastologista Cícero Urban (foto) comenta os principais achados.
Até 40% das mulheres ficam insatisfeitas após a reconstrução mamária em razão de resultados inesperados que estão pouco alinhados com as preferências pessoais. Nesta análise conjunta baseada em escolha adaptativa, o objetivo foi identificar atributos que as pacientes valorizam ao considerar a cirurgia reconstrutora para melhorar a tomada de decisão compartilhada.
Este estudo transversal baseado na web foi conduzido de 1º de março de 2022 a 31 de janeiro de 2023, na Duke University e entre 1º de junho e 31 de dezembro de 2022, por meio do Love Research Army. As participantes foram 105 mulheres da Duke University com novo diagnóstico ou predisposição genética para câncer de mama que estavam considerando a mastectomia com reconstrução e 301 mulheres com histórico de câncer de mama ou predisposição genética identificada através do registro Love Research Army.
Os pesquisadores estimaram as pontuações de importância relativa, valores de utilidade parcial e riscos máximos aceitáveis.
Os resultados foram relatados no JAMA Surgery e mostram que a análise considerou 406, participantes, 105 da Duke University [idade média (DP), 46,3 (10,5) anos] e 301 do registro Love Research Army [idade média (DP), 59,2 (11,9) anos]).
O atributo considerado mais importante foi o risco de morbidade abdominal (média [DP] importância relativa [RI], 28% [11%]), seguido pelo risco de complicações maiores (IR, 25% [10%]), número de complicações de cirurgias adicionais (RI, 23% [12%]), aparência das mamas (RI, 13% [12%]) e tempo de recuperação (RI, 11% [7%]).
Os autores descrevem que a maioria das participantes (344 [85%]) preferiu a reconstrução baseada em implantes; esses participantes se preocupavam mais com a morbidade abdominal (média [DP] IR, 30% [11%]), seguida pelo risco de complicações (média [DP], IR, 26% [11%]) e cirurgias adicionais (média [DP]] IR, 21% [12%]).
As participantes que preferiram a reconstrução com retalho se preocuparam mais com operações adicionais (RI médio [DP], 31% [15%]), aparência das mamas (RI médio [DP], 27% [16%]) e risco de complicações (média [DP] IR, 18% [6%]). Os fatores independentemente associados à escolha da reconstrução com retalho incluíram ser casado (odds ratio [OR], 2,30 [IC 95%, 1,04-5,08]; P = ,04) e nível educacional superior (ensino universitário; OR, 2,43 [IC 95%, 1,01 -5,86]; P = ,048), enquanto ter um nível de renda superior a US$ 75.000 foi associado a menor probabilidade de escolher o perfil do retalho (OR, 0,45 [IC 95%, 0,21-0,97]; P = ,01) . As entrevistadas que preferiram a aparência do retalho estavam dispostas a aceitar um aumento médio (DP) de 14,9% (2,2%) de risco de morbidade abdominal (n = 113) ou 6,4% (4,8%) de risco de complicações (n = 115).
“Este estudo fornece informações sobre como as mulheres valorizam diferentes aspectos de seus cuidados na tomada de decisões para a reconstrução mamária. Estudos futuros devem avaliar como o auxílio à decisão de acordo com preferências individuais podem ajudar a adaptar as discussões médico-paciente para focar o aconselhamento pré-operatório nos fatores que mais importam para cada paciente e, em última análise, melhorar o atendimento centrado no paciente”, concluem os autores.
Para Cícero Urban, médico mastologista do Centro de Doenças da Mama (CDM) em Curitiba, este estudo possui 3 elementos bastante importantes. “O primeiro, e que é fundamental, é a relevância da informação adequada no pré-operatório, ou seja, a partir desse pressuposto, a paciente pode tomar a decisão sobre qual técnica se adequa mais aos seus valores e prioridades. Somente com este empoderamento é que se pode reduzir o índice elevado de insatisfação e arrependimento com a reconstrução mamária. O segundo aspecto é a preferência maior pelas reconstruções com próteses, devido às preocupações com a morbidade na área doadora e com complicações maiores com os retalhos. A última consideração, que é um limite do estudo, se refere a questões culturais e limitações entre as diferentes realidades”, prossegue Urban. “No estudo, pacientes com nível educacional e econômico mais elevados têm preferência maior por retalhos. No Brasil, possivelmente as próteses estejam em primeiro lugar, independentemente da classe social. Contudo, aqui muitas vezes a paciente não tem este poder de escolha, e fica sem reconstrução, infelizmente", analisa.
Referência: Shammas RL, Hung A, Mullikin A, et al. Patient Preferences for Postmastectomy Breast Reconstruction.JAMA Surg. Published online September 27, 2023. doi:10.1001/jamasurg.2023.4432