A obesidade, uma pandemia global, é um fator prognóstico bem estabelecido no câncer de mama inicial. Recente revisão do Fundo Mundial de Pesquisa em Câncer, incluindo 64 estudos que avaliam a relação entre obesidade e resultados no câncer de mama inicial, identificou que cada aumento de 5 kg/m2 no IMC foi associado a um aumento concomitante no risco de mortalidade por todas as causas, mortalidade específica por câncer e segundos cânceres. Os dados são de editorial de Chao Cao e Jennifer A. Ligibel, da Harvard Medical School e do Dana-Farber Cancer Institute, publicados no Journal of Clinical Oncology (JCO).
Cao e Ligibel discutem resultados de artigo publicado por Pfeiler et al. na mesma edição, com reflexões importantes sobre a relação entre obesidade, limites de dose e resultados no tratamento do câncer.
“Historicamente, os médicos costumam usar o peso corporal ideal ou limites de dose ao calcular a dose de quimioterapia para pacientes com obesidade, em grande parte devido à preocupação de induzir toxicidade associada à quimioterapia entre pacientes com sobrepeso e obesos”, descrevem. “No entanto, estudos demonstram níveis mais baixos de toxicidade hematológica nesta população e a redução ou limitação da dose tem sido associada a pior sobrevida livre de doença e pior sobrevida global em pacientes com câncer com obesidade”, alertam.
Os autores ilustram o exemplo do CALGB 8541, um estudo comparando três níveis de dose de quimioterapia adjuvante com ciclofosfamida, doxorrubicina e fluorouracil. Pacientes com IMC de ≥27,3 kg/m2 que receberam quimioterapia dosada pelo peso corporal real tiveram risco 27% menor de recorrência em comparação com aqueles que receberam quimioterapia dosada pelo peso corporal ideal (risco relativo, 0,73; IC 95%, 0,53 a 1,00).
“Em 2012, a ASCO revisou as evidências sobre toxicidade e resultados relacionados à dosagem de quimioterapia em pacientes com obesidade e desenvolveu uma diretriz que recomenda doses de quimioterapia baseadas no peso total para uso no tratamento de pacientes com obesidade e câncer”, destacam os autores.
O editorial do JCO sublinha ainda a atualização da ASCO, em 2021, que inclui novos paradigmas de tratamento. “A ASCO atualizou suas orientações sobre dosagem de tratamentos de câncer em pacientes com obesidade em 2021 com uma diretriz focada em terapia sistêmica em pacientes adultos. A diretriz recomendou que as informações de prescrição aprovadas pela FDA para terapias alvo e inibidores de checkpoint (doses fixas ou com base no peso) devem ser usadas em todos os pacientes, incluindo aqueles com obesidade. No entanto, a diretriz observou que a força da evidência foi baixa, dado o número limitado de estudos que avaliaram a toxicidade em pacientes com obesidade tratados com novas terapias”.
No artigo que acompanha este editorial, Pfeiler e colegas investigaram a relação entre IMC e toxicidade, adesão ao tratamento e eficácia do anti CDK 4/6 palbociclibe em pacientes com câncer de mama com doença inicial do estudo global PALLAS. A obesidade foi associada a uma taxa significativamente menor de neutropenia no braço palbociclibe mais terapia endócrina (ET), com cada aumento de 1 unidade no IMC associado a um HR para neutropenia de 0,93 (IC 95%, 0,92 a 0,95) após ajuste para dados demográficos e fatores de tratamento. O aumento do IMC também foi associado a uma redução da dose de palbociclibe e a menor interrupção do tratamento. “No entanto, apesar dessas melhorias na tolerabilidade, intensidade da dose e adesão em indivíduos com obesidade, não houve melhorias no intervalo de sobrevida livre de doença (iSLD) no grupo de palbociclibe mais ET versus o grupo de ET isoladamente em qualquer categoria de IMC”, analisa o editorial.
Esses dados fornecem suporte adicional para outra recomendação da ASCO sobre Dosagem de Terapia Sistêmica Apropriada para Pacientes adultos obesos com câncer. A diretriz preconiza que doses de terapias-alvo não devem ser reduzidas para prevenir toxicidade
em indivíduos com obesidade.
Cao e Ligibel destacam recente iniciativa da agência norte-americana, o Projeto Optimus, que tem foco na otimização de dose em oncologia, buscando não só a eficácia máxima de um medicamento, mas também a segurança e a tolerabilidade. O projeto de orientação divulgado pela FDA recomenda que os dados farmacocinéticos sejam avaliados para identificar se fatores como peso, idade, sexo, raça e a etnia afetam significativamente a exposição aos medicamentos.
“Essas orientações forneceriam informações críticas para otimizar a dosagem de terapias alvo e outros agentes em pacientes com obesidade, para reduzir potencialmente a toxicidade da terapia sistêmica em pacientes com câncer”, analisam.
A íntegra deste editorial do JCO está disponível em acesso aberto.
Referência: Cao C, Ligibel JA. Too Much, Too Little, or Just Right? Obesity and Dosing of Targeted Therapies in Breast Cancer. J Clin Oncol. 2023 Oct 5:JCO2301516. doi: 10.1200/JCO.23.01516. Epub ahead of print. PMID: 37797274.