O câncer de apêndice é responsável por menos de 1% dos tumores que se originam no trato gastrointestinal e até hoje o tratamento se ampara nas diretrizes para câncer colorretal. Agora, estudo publicado na JCO Precision Oncology mostra que o câncer de apêndice apresenta mutações distintas do câncer de colon e que mutações nos genes TP53 e GNAS são bons preditores de sobrevida em pacientes com câncer de apêndice. O oncologista Bernardo Garicochea (foto), diretor da Unidade de Oncogenética do Centro Paulista de Oncologia/ Grupo Oncoclínicas e diretor científico do Laboratório Idengene, comenta o trabalho.
Neste estudo, os pesquisadores realizaram testes genômicos para avaliar o perfil molecular de 703 tumores de apêndice. Os resultados mostram cinco subtipos distintos: adenocarcinomas mucinosos (46%), adenocarcinomas (30%), carcinoides de células caliciformes (12%), pseudomixoma peritoneal (7,7%) e carcinomas de anel de sinete (5,2%).
Outro achado significativo foi a presença da mutação no gene GNAS, que apesar de rara no câncer de cólon, foi bastante frequente no câncer de apêndice, principalmente nos adenocarcinomas mucinosos (52%) e no pseudomixoma peritoneal (72%).
“Pacientes com tumores que apresentavam mutação GNAS tiveram sobrevida média de quase 10 anos, enquanto aqueles cujos tumores tinham mutação TP53 tiveram sobrevida mediana de apenas três anos”, descrevem os autores.
“Além de demonstrar um perfil somático distinto, o trabalho aponta dois genes que quando mutados podem conferir extremos prognósticos. Não surpreende que o principal gatekeeper, TP53, quando afetado, denote uma doença mais avançada e com maior resistência a apoptose produzida por tratamentos convencionais. Esse é um achado quase que universal nas neoplasias humanas. Curioso é um gene que se associa a anormalidades musculoesqueléticas (fibrodisplasia) e inúmeros tumores digestivos, melanoma, além de pan-hipopituitarismo, chamado de GNAS, ser preditor de sobrevida mais longa e doença mais indolente”, afirma Bernardo Garicochea.
O especialista explica que o intestino é um órgão formado pelo acoplamento de unidades que são formadas em períodos embriológicos distintos. Assim, não surpreende o perfil molecular diferente de um carcinoma de apêndice e um tumor de reto ou de sigmoide, por exemplo. “Além disso, os distintos segmentos do intestino apresentam funções e constituições celulares diferentes, voltados para a função de cada um. Determinados segmentos, como o apêndice, são ricos em células mucinoides e células formadas pela crista neural, e por isso apresentam proporcionalmente mais carcinomas mucinosos ou neuroendocrinos do que um tumor do cólon descendente, por exemplo”, diz.
Para os autores, o perfil mutacional pode ser usado como biomarcador para selecionar pacientes de alto risco. "Para tumores que são raros, como o câncer de apêndice, perfis moleculares vão ajudar a identificar possíveis opções de tratamento, já que não temos dados de estudos clínicos que possam orientar as estratégias terapêuticas", disse Trey Ideker, professor da UC San Diego School of Medicine e principal autor do estudo.
Diante desses achados, os autores vão partir agora para nova pesquisa com o objetivo de avaliar se pacientes GNAS mutados em estágio inicial podem ser dispensados da quimioterapia.
“Seria interessante saber se mutações nesse gene teriam maior associação com algum tipo histológico ou com algum achado epidemiológico. Mutações em GNAS não são exclusivas de carcinoma de apêndice, e também seria interessante verificar se outras áreas do cólon com alelos mutados desse gene também têm melhor prognóstico. GNAS é um gene com droga-alvo identificada, sendo que há relatos de resposta completa de carcinoma de apêndice com uso de trametinib. O estudo publicado no JCO abre perspectiva para marcadores prognósticos e novas terapias-alvo com um teste genético bastante simples”, conclui o oncologista.
Referências: Genomic Landscape of Appendiceal Neoplasms - DOI: 10.1200/PO.17.00302 JCO Precision Oncology - published online August 8, 2018