Até que ponto os pacientes com câncer estão dispostos a aceitar a incerteza sobre o benefício clínico de novos medicamentos contra o câncer em troca de acesso mais rápido? Estudo relatado no Lancet Oncology mostra que os pacientes expressam fortes preferências pela certeza de que um medicamento contra o câncer realmente demonstre evidências de oferecer benefício de sobrevida, assim como expressam disposição de esperar por uma certeza maior desse benefício, revelando que o efeito avaliado por desfechos substitutos não tem impacto significativo na escolha de medicamentos.
Neste estudo (NCT05936632), uma plataforma de pesquisa online (Cint) foi utilizada para recrutar uma amostra nacionalmente representativa de adultos dos EUA. Para serem elegíveis, os entrevistados tiveram que relatar alguma experiência com câncer — ou seja, eles próprios, um amigo próximo ou um membro da família, previamente ou atualmente diagnosticado com câncer. A pesquisa propunha aos entrevistados escolher entre dois medicamentos contra o câncer, considerando cinco atributos: estado funcional, expectativa de vida, certeza do benefício de sobrevida de um novo medicamento, efeito do medicamento em um desfecho substituto e atraso no tempo de aprovação da Food and Drug Administration.
O primeiro endpoint primário foi a importância relativa da certeza do benefício de sobrevida e do tempo de espera para os entrevistados. O segundo endpoint primário avaliado foi a disposição de esperar por maior certeza do benefício de sobrevida, incluindo análise de subgrupos por experiência com câncer, idade, status educacional, raça ou etnia e renda. Os endpoints secundários foram mudanças na sensibilidade à certeza e tempo de espera, dependendo do efeito do medicamento em um desfecho substituto, status funcional dos entrevistados e expectativa de vida.
Entre 7 e 20 de julho de 2023, a pesquisa foi concluída por 998 entrevistados elegíveis. 870 entrevistados (461 [53%] homens, 406 [47%] mulheres e três [<1%] outros) foram incluídos na análise final. Os autores descrevem que os entrevistados mostraram forte preferência por alta certeza de benefício de sobrevida (coeficiente 2,61, IC de 95% 2,23 a 2,99) e forte preferência contra um atraso de 1 ano no tempo de aprovação da FDA (coeficiente –1,04, IC de 95% –1,31 a –0,77). Diante da incerteza do benefício de sobrevida de um medicamento (nenhuma evidência ligando um desfecho substituto à sobrevida global), os entrevistados estavam dispostos a esperar até 21,68 meses (IC de 95% 17,61 a 25,74) por alta certeza (forte evidência) de benefício de sobrevida.
A análise mostra que o efeito de um medicamento em um desfecho substituto não teve impacto significativo na escolha de medicamentos (coeficiente 0,02, IC de 95% –0,21 a 0,25). Os entrevistados mais velhos (com idade ≥55 anos), não brancos, indivíduos de baixa renda (<$40.000 por ano) e aqueles com a menor expectativa de vida foram os mais sensíveis ao tempo de espera.
“Muitos medicamentos contra o câncer aprovados pela via de aprovação acelerada da FDA não oferecem nenhum benefício de sobrevida aos pacientes. Em nosso estudo, os indivíduos expressaram fortes preferências pela certeza de que um medicamento contra o câncer oferece efetivamente benefício de sobrevida. Alguns indivíduos também expressaram maior disposição para esperar por uma certeza maior do que seria necessário para avaliar o benefício de sobrevida (sobre o benefício de sobrevida livre de progressão) da maioria dos medicamentos contra o câncer usados no cenário metastático”, concluem os autores.
Robin Forrest e colegas destacam que desde 1992, mais de 200 indicações de medicamentos contra o câncer receberam aprovação acelerada da Food and Drug Administration dos EUA com base em evidências de desfechos substitutos. Embora os estudos mostrem a sobrevida global como o desfecho mais confiável e centrado no paciente para demonstrar o benefício clínico dos medicamentos contra o câncer, mais da metade de todos os medicamentos contra o câncer que recebem aprovação acelerada não oferecem nenhuma melhora na sobrevida global
“Para embasar a aprovação, a FDA geralmente exige que novos medicamentos sejam apoiados por evidências de segurança e eficácia. No entanto, para acelerar o acesso a medicamentos que abordam necessidades não atendidas em condições graves, a FDA adota uma postura mais flexível em seus requisitos de evidências. De acordo com a agência reguladora, essa abordagem mais flexível reflete a "disposição dos pacientes e cuidadores de aceitar menos certeza sobre a eficácia em troca de acesso mais rápido a medicamentos muito necessários".
Após receber a aprovação acelerada, os autores lembram que a FDA exige que os patrocinadores conduzam ensaios confirmatórios para verificar ou refutar o benefício clínico do medicamento. “Enquanto isso, permanece uma incerteza clínica considerável para os pacientes sobre se um tratamento irá ou não beneficiá-los”, contextualizam.
A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.
Referência:
Preferences for speed of access versus certainty of the survival benefit of new cancer drugs: a discrete choice experiment. Forrest, Robin et al.The Lancet Oncology