Onconews - Pesquisa descreve comportamento clínico do câncer de mama em jovens portadoras de BRCA

Estudo multicêntrico global que incluiu 4752 mulheres jovens com câncer de mama com mutações BRCA descreve características de pacientes, tumores e tratamentos, revelando padrão distinto de eventos de sobrevida livre de doença  entre portadoras de BRCA1 e BRCA2. Os resultados estão no JCO e demonstram que a identificação de variantes patogênicas/provavelmente patogênicas de BRCA em mulheres saudáveis ​​foi associada ao diagnóstico de câncer de mama em estágio inicial, menor carga de tratamento e melhor sobrevida global não ajustada. Yuri Moraes (foto), médico geneticista do serviço de oncogenética do Américas Oncologia, analisa os principais achados.

Neste estudo de coorte retrospectivo (NCT03673306), foram elegíveis 4.752 pacientes com variantes patogênicas/provavelmente patogênicas (VPs) da linha germinativa em BRCA1 ou BRCA2 diagnosticadas com câncer de mama invasivo estágio I-III aos 40 anos ou menos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2020, a partir de 78 centros em todo o mundo. O objetivo foi investigar o comportamento clínico do câncer de mama em jovens portadoras de BRCA, de acordo com o gene específico (BRCA1 v BRCA2) e a associação do momento do teste genético (antes v no diagnóstico) com o prognóstico.

Os resultados foram relatados por Lambertini et al. no Journal of Clinical Oncology (JCO) e mostram que comparados com portadores de BRCA2 (n = 1.683), os portadores de BRCA1 (n = 3.069) tiveram mais tumores negativos para receptor hormonal (74,4% v 15,5%) e de alto grau (77,5% v 49,1%). Resultados semelhantes foram observados em portadores de BRCA1 e BRCA2, mas com um padrão diferente de  eventos de sobrevida livre de doença ao longo do tempo.

Comparados com pacientes testados para BRCA no diagnóstico (ou seja, entre 2 meses antes e até 6 meses após o diagnóstico; n = 1.671), os autores descrevem que aqueles testados antes do diagnóstico (ou seja, a qualquer momento até 2 meses antes do diagnóstico; n = 411) tiveram tumores menores (T1: 61,3% v 32,4%), menos envolvimento nodal (N0: 65,9% v 50,8%), receberam quimioterapia com menos frequência (84,4% v 92,9%) e dissecção axilar (37,5% v 47,4%). Pacientes testados antes do diagnóstico tiveram melhor sobrevida global (SG; razão de risco [HR] não ajustada, 0,61 [IC 95%, 0,40 a 0,92]), embora esse resultado tenha perdido significância estatística após ajuste para potenciais fatores de confusão, incluindo estágio do tumor (HR ajustado, 0,74 [IC 95%, 0,47 a 1,15]).

Em síntese, este estudo global fornece evidências sobre o comportamento clínico diferente do câncer de mama em jovens portadoras de BRCA1 e BRCA2. A identificação de VPs BRCA em indivíduos saudáveis ​​foi associada ao diagnóstico de câncer de mama em estágio inicial e menor carga de tratamento, assim como foi associada a melhor SG não ajustada.

Os testes genéticos, seja para mulheres diagnosticadas com câncer de mama ou testes em cascata (testes de membros da família potencialmente afetados), continuam subutilizados. “Esses resultados mostram que o poder da informação genética para melhorar os resultados dos pacientes deve revigorar nossos esforços para ampliar a oferta de testes”, destaca a publicação.

A íntegra do artigo original está disponível em acesso aberto. 

O estudo em contexto

Por Yuri Moraes (foto), médico geneticista do serviço de oncogenética do Américas Oncologia

O trabalho realizou uma comparação entre um grupo que realizou teste BRCA1/2 ao diagnóstico de câncer de mama (entre 2 meses antes e até 6 meses após o diagnóstico) e um grupo que testou BRCA1/2 antes do diagnóstico de câncer de mama (a qualquer momento até 2 meses antes do diagnóstico).

Foi descrito um impacto até então desconhecido no prognóstico da identificação de uma variante patogênica/provavelmente patogênica (VP/VPP) em BRCA1/BRCA2 em mulheres jovens saudáveis. As mulheres jovens saudáveis que tiveram uma variante em BRCA1/BRCA2 identificada apresentaram tumores menores, menos envolvimento linfonodal, dissecção axilar menos frequente e uma melhor sobrevida global não ajustada.

As diferenças em relação ao tratamento quimioterápico também chamam atenção. A quimioterapia foi administrada com menos frequência em pacientes testados antes do diagnóstico (84,4% v 92,9%). Menos pacientes no grupo de teste BRCA antes do diagnóstico foram tratadas no cenário neoadjuvante (38,0% v 57,7%), enquanto um número maior delas foi exposto a um regime baseado em taxano sem antraciclina (8,4% v 4,4%).

Importante destacar que os critérios de suspeição para um câncer de mama de origem hereditária além de contemplarem mulheres acometidas por malignidade, também englobam mulheres sem história de câncer, mas que possuem uma história familiar sugestiva para alguma síndrome de predisposição hereditária ao câncer.

Esse estudo nos conduz a uma reflexão de como é fundamental o encaminhamento ao aconselhamento genético de familiares de uma mulher portadora de uma VP/VPP em BRCA1/2 visando a proposta de pesquisa da variante familiar identificada, ou seja, os chamados testes em cascata.

Os achados do estudo evidenciam a relevância da identificação de mulheres saudáveis que preenchem os critérios de suspeição para síndrome do câncer de mama e ovário hereditário (BRCA1/BRCA2) assim como para outras síndromes de predisposição hereditária ao câncer em serviços de mastologia e ginecologia. Programas de educação médica continuada para os profissionais que atuam nessas áreas devem contemplar a aplicabilidade dos critérios de suspeição.

O trabalho também reforça o papel do aconselhamento genético nas clínicas oncológicas. A presença do médico geneticista no corpo clínico contribui para a identificação das pacientes com câncer de mama de origem hereditária, assim como para a avaliação dos familiares dessas mulheres.

Referências:

Matteo Lambertini et al., Clinical Behavior of Breast Cancer in Young BRCA Carriers and Prediagnostic Awareness of Germline BRCA Status. JCO 0, JCO-24-01334. DOI:10.1200/JCO-24-01334

2- NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines®).Genetic/Familial High-Risk Assessment: Breast, Ovarian, Pancreatic and Prostate  Version 2.2025.