Pesquisa financiada pela indústria do tabaco ainda aparece nas principais revistas médicas

Pesquisas financiadas pela indústria do tabaco ainda aparecem em revistas médicas de alto impacto, mostra estudo publicado na BMJ e no periódico The Investigative Desk. Os resultados revelam que, embora a indústria do tabaco tenha uma longa história de subversão da ciência, a maioria das principais revistas médicas não tem políticas que proíbam pesquisas total ou parcialmente financiadas pela indústria do tabaco, incluindo publicações nas áreas de oncologia, cardiologia e medicina respiratória.

A partir da base de dados da PubMed, os pesquisadores identificaram centenas de relacionamentos entre expoentes da indústria do tabaco, pesquisas médicas e farmacêuticas. O estudo foi realizado por van den Berg e colegas, que também verificaram as políticas de 10 importantes periódicos médicos gerais e 10 periódicos em cada uma das três áreas terapêuticas especialmente afetadas pelo tabagismo (oncologia, cardiologia e medicina respiratória).

Dos 40 periódicos selecionados, apenas 8 (20%) tinham políticas proibindo estudos total ou parcialmente financiados pela indústria do tabaco. Dos 10 periódicos na área de medicina respiratória, seis mantinham política restringindo a indústria do tabaco, mas em oncologia apenas um periódico estabeleceu regras envolvendo corporações ligadas ao tabaco, enquanto nenhuma restrição foi observada nas revistas médicas em cardiologia. Entre os 10 periódicos de medicina geral, apenas o BMJ tinha políticas contra o financiamento de pesquisas por subsidiárias ou organizações associadas às empresas de tabaco.

Os pesquisadores descrevem que, mesmo entre os periódicos que têm uma política antitabaco, aplicar as restrições envolve desafios. No ano passado, um dos títulos do BMJ Group, o BMJ Open, retirou um artigo depois de constatar que o financiador recebeu patrocínio da Foundation for a Smoke-Free World, um grupo apoiado e totalmente financiado pela empresa de tabaco Philip Morris International (PMI).

O pesquisador holandês Wytse van den Bosch tinha uma bolsa de pesquisa da farmacêutica Vectura quando a empresa foi comprada pela PMI em 2021. No entanto, seu estudo foi publicado no periódico European Respiratory Society (ERS), ilustra a pesquisa.

A análise também mostra que as quatro grandes empresas globais de tabaco — Philip Morris International /Altria, British American Tobacco, Imperial Brands e Japan Tobacco International (JTI) — investiram bilhões em empresas que produzem medicamentos ou produtos médicos. Os investimentos da indústria do tabaco e suas subsidiárias têm como alvo muitas condições causadas ou agravadas pelo fumo. “A Vectura produz inaladores usados ​​por pacientes com DPOC ou asma, e a Fertin Pharma, uma subsidiária dinamarquesa da PMI, produz gomas de nicotina. O ramo farmacêutico da JTI produz medicamentos para câncer de pulmão, doenças cardíacas e condições de pele, como psoríase e dermatite atópica, conhecidas por serem adversamente afetadas pelo fumo”, descreve a pesquisa.

O BMJ atualizou sua política de tabaco de 2013. Além de excluir pesquisas financiadas pela indústria do tabaco, os periódicos do BMJ também excluirão trabalhos em que os autores tenham laços financeiros pessoais com a indústria do tabaco.

"A política atualizada é uma ação que os periódicos do BMJ podem tomar para reduzir a publicação de conteúdo que minimiza os danos do fumo ou impede a criação de um mundo livre dos danos do fumo", explicam os editores. "Criar um firewall mais forte entre a indústria do tabaco e o conteúdo do BMJ fornecerá espaço para os editores selecionarem e publicarem conteúdo mais independente e confiável, e que contribua para um mundo mais saudável."

Tobacco policies at the top 10 journals by specialty

 
Fonte: Adaptada de van den Berg et al., BMJ 2024;385:q1153

Referência:

van den Berg I, de Jeu M, Boytchev H. Tobacco funded research: how even journals with bans find it hard to stem the tide of publications. BMJ. 2024 May 30;385:q1153. doi: 10.1136/bmj.q1153. PMID: 38816015.