A oncologista Tatiane Montella (foto), do Instituto Oncoclínicas (RJ), comenta os destaques de artigo recém-publicado por pesquisadores brasileiros no JCO Global Oncology, em análise que descreve o status mutacional do EGFR em pacientes brasileiros com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) em um cenário de mundo real. “Conseguimos documentar um total de 7413 amostras de tumor de pacientes com CPCNP, sem dúvida alguma um número muito expressivo e talvez o maior já publicado na América Latina”.
Resultado da colaboração de inúmeros pesquisadores brasileiros, de várias regiões do país, a publicação no JCO Global Oncology é realmente um marco, sob vários aspectos. “O primeiro é, sem sombra de dúvida, a relevância do número de amostras que estamos reportando, 7413 amostras de câncer de pulmão, realmente um número bastante expressivo. O segundo ponto é evidentemente o próprio report. Diante da escassez de dados que temos no Brasil, reportar a incidência da detecção de mutações EGFR, em 24% da amostra analisada, é bastante significativo”, diz ela.
Tatiane explica que nessa avaliação foram utilizadas inúmeras tecnologias de testagem, como Cobas, sequenciamento genético e Sanger, que são plataformas que têm avaliações diferentes. “Isso é muito importante como dado de mundo real, mostrando o acesso a essas tecnologias, como isso foi acontecendo ao longo do tempo, e como isso pode impactar os achados”, diz.
Outro aspecto do estudo de Montella e colegas que merece destaque é o perfil mutacional do CPCNP nessa vasta coorte de pacientes brasileiros. “Além de reportar mutações comuns, mutações típicas, ou mutações acionáveis, esse trabalho também apresentou mutações consideradas incomuns, assim como apresentou mutações complexas, que vem sendo cada vez mais estudadas nos últimos tempos.
Acompanhe a seguir os detalhes da pesquisa brasileira que analisou o status mutacional de EGFR na maior coorte de pacientes com CPCNP.
Estudo descreve status mutacional do EGFR em pacientes brasileiros com CPCNP
Estudo que analisou retrospectivamente mutações no receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) detectadas em um cenário do mundo real em uma grande coorte de pacientes brasileiros com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) mostrou que de 7.413 amostras testadas, a taxa média de detecção positiva de mutações no EGFR foi de 24,2%. O trabalho tem como primeira autora a oncologista Tatiane Montella (foto), do Instituto Oncoclínicas, RJ, e é a maior análise do status mutacional do EGFR em pacientes brasileiros com CPCNP usando múltiplas plataformas
Há escassez de dados sobre mutações genéticas em pacientes brasileiros com câncer de pulmão. Neste estudo multicêntrico, os pesquisadores se basearam em um banco de dados de análise molecular de EGFR a partir de amostras tumorais de pacientes com diagnóstico histopatológico confirmado de câncer de pulmão primário. As amostras foram coletadas de 2013 a 2017 e testadas usando cobas, sequenciamento de última geração e plataformas de sequenciamento Sanger.
Os resultados relatados por Montella et al. no JCO Global Oncology mostram que 7.413 amostras de tumor foram testadas e a presença de pelo menos uma mutação foi encontrada em 24,2% do total da amostra. Das amostras positivas, 23,58% (1.272/5.395) foram testadas usando PCR em tempo real, 25,86% (407/1.574) testadas usando NGS, 27,36% (116/424) usando sequenciamento Sanger e 10% (2/20) foram testadas usando pirosequenciamento.
Entre os pacientes positivos, duas ou mais mutações simultâneas foram observadas em 1,52% das amostras. Os autores descrevem que a deleção do éxon 19 foi a alteração mais prevalente (12,8%), seguida pelo éxon 21 L858R (6,9%) e inserção do éxon 20 (1,6%). Todas as outras mutações foram consideradas incomuns e observadas em 18,5% de todos os pacientes mutados e em 4,0% da amostra total (2,3%-18,7%), dependendo do método de sequenciamento.
Em síntese, ao examinar a prevalência de mutações de EGFR em pacientes brasileiros com CPCNP usando diferentes tecnologias, o estudo sugere que o tipo de método utilizado, direcionado ou não direcionado contra mutações específicas, influencia a análise. Mutações incomuns afetaram 2,3% a 18,7% dos pacientes, dependendo do método de sequenciamento, e mutações EGFR foram encontradas em 24,2% da amostra.
“Até onde sabemos, esta é a maior análise do status mutacional do EGFR em pacientes brasileiros com CPCNP usando múltiplas plataformas”, destacam os autores, acrescentando que essas estimativas são as maiores da América Latina. Para Montella e colegas, a variabilidade observada entre os diferentes métodos é provavelmente semelhante ao cenário clínico do mundo real que os oncologistas brasileiros enfrentam em sua prática diária e reflete o avanço de tecnologias e sua incorporação de forma não homogênea.
Com cerca de 2,3 milhões de casos e 1,8 milhão de mortes em 2020, o câncer de pulmão é a principal causa de mortes por câncer em todo o mundo. No Brasil, aproximadamente 38.200 mortes relacionadas ao câncer de pulmão foram registradas em 2020. O câncer de pulmão de células não pequenas é o subtipo mais comum, responsável por aproximadamente 80%-90% de todos os casos.
Desde a introdução de terapias direcionadas a mutações específicas, o arsenal terapêutico para CPCNP enfrenta mudanças significativas, e a identificação de alterações genéticas acionáveis levou à integração de testes moleculares para planejamento de tratamento.
Mutações no receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) são a alteração genética acionável mais frequente no CPCNP. Mutações do EGFR podem ser detectadas em 15% dos subtipos de adenocarcinoma de pacientes brancos na América do Norte e na Europa, em aproximadamente 25% dos pacientes brasileiros e latino-americanos., enquanto no Leste Asiático a incidência é muito mais elevada, chegando a 50% dos pacientes com CPCNP.
Além da variabilidade nos métodos aqui descritos à medida que a incorporação de tecnologia avança de maneira não homogênea, é provavelmente semelhante ao cenário clínico do mundo real que os oncologistas brasileiros enfrentam em sua prática diária.
Além da oncologista Tatiane Montella (Instituto Oncoclínicas RJ), que assina como primeira autora, o estudo tem a co-autoria de Mariano Zalis, Mauro Zukin, Vladmir Claudio Cordeiro de Lima, Clarissa Baldotto, Pedro De Marchi, Paulo Salles, Clarissa Mathias, Carlos Barrios, Carolina Kawamura, Aknar Calabrich, Gilberto Castro, André Santa Maria, Marcelo Reis, Carlos Gil Ferreira.
A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.
Referência: Montella T, Zalis M, Zukin M, Cordeiro de Lima VC, Baldotto C, De Marchi P, Salles P, Mathias C, Barrios C, Kawamura C, Calabrich A, Araújo LH, Castro G, Bustamante C, Santa Maria A, Reis M, Ferreira CG. EGFR Mutation Detection in Brazilian Patients With Non-Small-Cell Lung Cancer: Lessons From Real-World Data Scenario of Molecular Testing. JCO Glob Oncol. 2023 Sep;9:e2200426. doi: 10.1200/GO.22.00426. PMID: 37769218.