Onconews - POUT confirma benefício da QT adjuvante no câncer urotelial

dzik 2021Os resultados iniciais do estudo POUT já haviam mudado a prática no câncer urotelial músculo-invasivo do trato urinário superior (ureter e pelve renal) não metastático após nefroureterectomia, com base no benefício de sobrevida livre de doença. Agora, a análise final com resultados de sobrevida global acrescenta suporte adicional ao valor da quimioterapia sistêmica adjuvante com gemcitabina e platina após nefroureterectomia nesse cenário da doença. O oncologista Carlos Dzik (foto), líder nacional da área de Tumores Geniturinários do Grupo DASA, comenta o estudo.

POUT (NCT01993979) foi um estudo de fase 3, randomizado e aberto, que envolveu pacientes com câncer urotelial do trato superior não metastático (UTUC, na sigla em inglês), com doença músculo-invasiva (pT2-T4, Nany) ou com extensão linfonodal (pTany, N1-3).

Entre junho de 2012 e novembro de 2017, o estudo inscreveu 261 pacientes, de 57 centros. Os participantes foram randomizados (1:1) após nefroureterectomia radical para receber quimioterapia adjuvante à base de platina (n=132) ou vigilância (n= 129). O endpoint primário foi sobrevida livre de doença (SLD); endpoints secundários incluíram sobrevida global (SG), sobrevida livre de metástases (SLM), sobrevida específica da doença (DSS) e qualidade de vida (QV), avaliada por inquéritos validados aos 12 e 24 meses.

A quimioterapia consistiu em quatro ciclos de 21 dias de gencitabina (1.000 mg/m2 uma vez por dia nos dias 1 e 8) e cisplatina (70 mg/m2) ou, para taxa de filtração glomerular de 30-49 mL/min, carboplatina (AUC 4,5 ou 5) uma vez no dia 1. O estudo foi encerrado precocemente por recomendação do comitê independente de monitoramento de dados, devido à eficácia superior no braço de quimioterapia.

A análise atualizada foi publicada no Journal of Clinical Oncology (JCO) por Alison Jane Birtle e colegas e mostra que, após seguimento mediano de 65 meses (IQR, 60-84), a SLD em 5 anos foi de 62% versus 45% nos grupos de quimioterapia e vigilância, respectivamente; razão de risco (HR) univariável = 0,55 (IC 95%, 0,38 a 0,80, P = 0,001). O tempo médio de sobrevida restrito (RMST), usado para estimar diferenças entre os braços no tempo médio de sobrevida, sem assumir uma razão de risco constante, foi 18 meses mais longo (IC 95%, 6 a 30) no braço da quimioterapia.

A sobrevida global (SG) em 5 anos foi de 66% versus 57%, com HR univariável = 0,68 (IC 95%, 0,46 a 1,00, P = 0,049) e diferença no RMST de 11 meses (IC 95%, 1 a 21), indicando que o importante endpoint secundário de SG sugere benefícios a longo prazo. Os autores descrevem a ocorrência de 46 e 60 mortes nos braços de quimioterapia e controle, respectivamente,

Em relação à segurança, os efeitos do tratamento foram consistentes entre os regimes de quimioterapia (carboplatina ou cisplatina) e o estágio da doença. O perfil de toxicidade foi semelhante ao relatado anteriormente.

A íntegra do artigo está disponível no JCO em acesso aberto.

POUT, o estudo em contexto

O oncologista Carlos Dzik (foto), líder nacional da área de Tumores Geniturinários do Grupo DASA, analisa os resultados do ensaio POUT e seu real impacto nos cuidados em câncer

O estudo POUT traz algumas provocações interessantes e que acredito podem ter repercussão na prática, a saber:

1- Benefício em quimioterapia adjuvante em carcinoma urotelial (trato urinário superior e bexiga).

Este é um conceito não muito claro nos trabalhos de quimioterapia adjuvante no câncer de bexiga. Considera-se que o tratamento standard no cenário perioperatório é quimioterapia neoadjuvante, validado no caso do tumor ser primário de bexiga, e não adjuvante como demonstrado no estudo POUT. Na situação do câncer do trato urinário superior, a modalidade neoadjuvante acaba sendo muitas vezes utilizada, com mais ênfase ainda, já que sabemos que é melhor administrar a cisplatina com os 2 rins presentes do que após a retirada de um dos rins. Tanto NCCN como EAU recomendam quimioterapia neoadjuvante neste cenário. Essa, na minha opinião, deve ser uma das principais críticas ao desenho do estudo POUT. Mas, se na análise por intenção de tratamento houve benefício no tratamento ADJUVANTE após uma nefroureterectomia, incluindo quase metade de pacientes que receberam carboplatina, este dado poderá a partir de agora encorajar os oncologistas a também fazerem a quimioterapia adjuvante no caso dos tumores de bexiga, o que não é considerado “standard of care”. E não devemos esquecer que muitos destes pacientes chegam ao médico oncologista apenas após a cirurgia feita, tanto em relação ao câncer na bexiga como no câncer nos ureteres/pelve renal.

2- Quimioterapia adjuvante com carboplatina aumenta os desfechos estudados e é benéfico.

Será? O estudo POUT misturou 2 esquemas de quimioterapias com eficácia diferente e mostrou que é possível fazer a quimioterapia adjuvante, mesmo com carboplatina. Provavelmente muitos dos pacientes não puderam receber cisplatina justamente porque perderam metade de sua capacidade renal com a saída de um dos rins. Quando analisamos as análises de subgrupo, mostradas em Forrest Plot, observamos que o maior benefício está para quem recebeu cisplatina, embora o grupo (40%) de pacientes que receberam carboplatina parece também ter se beneficiado na análise de Disease Free Survival, ainda que com pouca certeza estatística. Como esta é apenas uma análise de subgrupo e como um todo houve benefício tanto em DFS como em Overall Survival (OS) e as análises foram por intenção de tratamento, temos que assumir que tanto cisplatina como carboplatina no cenário adjuvante pode ser indicado.

3- Como adotar esta prática em 2024 quando a imunoterapia adjuvante (Nivolumabe) é o Standard of Care no câncer de bexiga, após a cistectomia, e por semelhança após a nefroureterectomia, no câncer do trato urinário superior?

Aqui nos parece que será uma questão que envolverá acesso (disposição das operadoras de saúde na ausência de estudo específico para câncer do trato urinário superior) e convicção do médico oncologista do caso. Tanto mais no caso dos pacientes que não forem elegíveis para cisplatina adjuvante. Em não tendo acesso à imunoterapia, os pacientes ainda sim poderão ser tratados de forma adjuvante com quimioterapia baseada em platina, como demonstrado no estudo POUT e agora fortalecido com dados de longo prazo e sobrevida global.

4 - Como nos parece ser a tendência de tratamento nos casos de câncer do trato urinário superior localizado e de alto risco, em 2024?

Os tumores do trato urinário superior são raros para que sejam feitos estudos randomizados definitivos. Além disso eles tendem a ser mais agressivos e, portanto, de maior risco de recidiva e morte. Estas duas características juntamente com a prática da quimioterapia neoadjuvante seguida de cistectomia e seguida de imunoterapia (Nivolumabe) adjuvante, fazem com que da mesma forma, e tanto quanto possível, assim sejam tratados estes carcinomas uroteliais de ureter e pelve renal. Neste caso o estudo POUT não acrescentou nada.

*Assim é a medicina e a oncologia. O estudo POUT foi publicado em 2020 após o término da randomização, em novembro de 2017. De lá para cá mudou bastante o cenário do tratamento sistêmico do carcinoma urotelial, com a introdução da imunoterapia e, mais recentemente, dos ADCs (Antibody-Drug Conjugate) em associação com a imunoterapia. Estes novos tratamentos certamente entrarão no cenário perioperatório-neoadjuvante e/ou adjuvante em algum momento nos próximos 5 anos. Até lá, o que vale para a bexiga deverá valer para os tumores do trato urinário superior. Em não sendo assim ... POUT!!!

Referência: Alison Jane Birtle et al., Improved Disease-Free Survival With Adjuvant Chemotherapy After Nephroureterectomy for Upper Tract Urothelial Cancer: Final Results of the POUT Trial. JCO 0, JCO.23.01659. DOI:10.1200/JCO.23.01659