Onconews - Prevalência e características clínico-patológicas do câncer de mama HER2-low

filomena 21 bxEstudo de Viale et al.1 publicado no ESMO Open reavaliou 789 amostras de pacientes com câncer de mama irressecável / metastático previamente diagnosticados como HER2-negativo. Os resultados mostram que, após a reavaliação, a prevalência de HER2-low (IHC 1+ ou IHC 2+/ISH–) foi de 67,2% e mais de 30% dos casos históricos de IHC 0 foram reclassificados como HER2-low. Os pesquisadores também destacam que não foram observadas grandes diferenças entre as características clínico-patológicas e resultados clínicos de pacientes com HER2-low e HER2 com imuno-histoquímica (IHC) escore 0. Os patologistas Filomena Carvalho (foto) e Cristovam Scapulatempo analisam os resultados.

O status de HER2-low (IHC 1+ ou IHC 2+/ISH-) tornou-se clinicamente acionável com a aprovação de trastuzumabe deruxtecana para o tratamento do câncer de mama HER2-low irressecável / metastático. Assim, a maior compreensão dos pacientes com doença HER2-low é urgentemente necessária.

Neste estudo global, multicêntrico e retrospectivo (NCT04807595), os pesquisadores incluíram amostras de tecido de pacientes com câncer de mama HER2-negativo irressecável / metastático diagnosticados de 2014 a 2017, com qualquer status de receptor hormonal (HR). Os patologistas dos laboratórios locais (13 locais, em 10 países), após treinamento para o limite inferior da expressão HER2 IHC, reclassificaram as lâminas coradas como HER2-low (IHC 1+ ou IHC 2+/ISH−) ou HER2 IHC 0 usando Ventana 4B5 (ensaio utilizado no estudo Destiny-Brest04) e outros ensaios, cegos para os escores históricos. A prevalência de HER2-low e a concordância entre escores históricos e rescores foram avaliadas. Características demográficas, clinicopatológicas e resultados de tratamentos foram analisados.

Os resultados reportados revelam que em amostras reclassificadas de câncer de mama de 789 pacientes com HER2-negativo irressecável / metastático, a prevalência geral de HER2-low foi de 67,2% (HR positivo, 71,1%; HR negativo, 52,8%). A concordância foi moderada entre os status de HER2 históricos e reclassificados (81,3%; κ = 0,583) e a concordância positiva foi numericamente maior para HER2-low (87,5%) do que para HER2 IHC 0 (69,9%).

Viale e colegas mostram que mais de 30% dos casos históricos de IHC 0 foram reclassificados como HER2 low não importa o ensaio utilizado (Ventana 4B5 ou outros). “Por outro lado, menos de 10% dos casos históricos de HER2-low foram reclassificados como HER2-0 usando Ventana 4B5. Um dado interessante deste estudo é que as maiores mudanças na classificação foram na categoria 2+ (concordância de somente 48,3%), onde a maioria passou para escore 1+ na re-análise, não afetando a sua categorização HER2-low, mas reforçando a fragilidade do patologista na distinção das nuances de expressão imuno-histoquímica”, observa Filomena. “Importante salientar que não houve diferenças notáveis entre HER2-low e HER2 IHC 0 nas características dos pacientes, tratamentos recebidos ou resultados clínicos”, acrescenta.

Em síntese, os autores destacam que aproximadamente dois terços dos pacientes com câncer de mama HER2 negativo irressecável/metastático podem se beneficiar de tratamentos direcionados para HER2-low. “Nossos dados sugerem que a reavaliação de HER2 em pacientes com pontuações históricas de IHC 0 pode ser considerada para ajudar a otimizar a seleção de pacientes para tratamento. Além disso, a identificação precisa de pacientes com câncer de mama HER2-low pode ser alcançada com treinamento padronizado do patologista”, afirmam.

Filomena ressalta que este estudo deixa clara a importância do treinamento dos patologistas na interpretação IHC do status HER2, assim como a necessidade de reclassificação dos tumores previamente classificados como HER2-negativos no sentido de selecionar as pacientes elegíveis para tratamento com trastuzumabe deruxtecana segundo os resultados do estudo Destiny-Breast042.

“Entretanto, devemos notar que Viale et al. encontraram 14,5% de tumores escore 0 com alguma expressão de HER2 (ultra-low3) (11,4% no grupo receptor hormonal-positivo e 24,5% no grupo receptor hormonal-negativo). Considerando que no estudo DB04 o grupo ultra-low não foi incluído e não houve diferença significativa entre pacientes com tumores HER2-escore 1+ e escore 2+/ISH-, devemos admitir que ainda não conhecemos o limite inferior da condição HER2-low.  Assim, nos parece que ainda não esgotamos o potencial da IHC na seleção das pacientes com potencial benefício das terapias dirigidas ao HER2”, afima Filomena.

O patologista Cristovam Scapulatempo observa que desde a descoberta da primeira droga anti-HER2 (Traztuzumabe) e a demonstração do benefício clínico das pacientes com câncer de mama HER2-positivo, a testagem da imunoexpresão de HER2 em amostras de tumores primários e metastáticos, especialmente de mama, vem sendo uma prática corriqueira e desafiadora por vários motivos. "Primeiro, pelo problema pré-analítico que temos em nosso país continental (idealmente as amostra não podem ficar mais de 72 horas no formol) e também pela variabilidade interlaboratorial que depende de vários fatores como recuperação antigênica, tempo de incubação, anticorpo primário e sistema de revelação utilizados", diz.

Scapulatempo ressalta que o guideline do CAP/ASCO é binário, classificando o câncer de mama como HER2-2 positivo (se 3+/3+ pela imunohistoquímica ou amplificado por métodos de hibridização in situ) ou HER2-negativo (se IHC 0/1+/2+ sem amplificação pela hibridização in situ). Com essa classificação binária, 80% dos carcinoma de mama são considerados HER2-negativos e cerca de 60% desses podem ser classificados como HER2-low, ou seja, o tumor é classificado como HER2  1+ ou 2+ pelo estudo imunohistoquímico e ISH-. "Essa população até há muito pouco tempo não eram tratados com terapias anti–HER2. Mas essa história mudou com o ganho de sobrevida global demonstrado pelo estudo de fase III Destini-Breast-04, que tratou os cânceres de mama metastáticos ou irressecáveis com trastuzumabe deruxtecana. Esse estudo gerou um novo alerta para toda a comunidade médica e para toda a população pois, até então, o termo HER2-low não era utilizado nas discussões e nem nos laudos de imunohistoquímica e/ou hibridização in situ (ISH). Vários estudos já demonstraram que esses tumores pertencem a diferentes tipos moleculares", contextualiza.

O patologista avalia que o resultado do estudo de Viale e colaboradores publicado na ESMO Open foi surpreendente, mostrando que 394 dos 554 (71,1%) tumores positivos para receptores hormonais e 84 dos 159 (52,8%) tumores negativos para receptores hormonais foram classificados como HER2-low, ou seja 67,2% do total de pacientes que tinham diagnóstico de câncer de mama HER2-negativo passaram a ser considerados HER2-low, sendo portanto elegíveis para tratamento com traztuzumabe deruxtecana. Outro dado bastante interessante destacado por scapulatempo foi que 30% dos casos previamente classificados como HER2 escore 0 passaram a ser HER2 escore 1+ (HER2-low). "Podem existir várias explicações para isso, mas talvez a mais provável seria que até pouco tempo muitos patologistas não tinham muita preocupação na adequada diferenciação entre os casos com escore 0 e 1+, uma vez que não implicava em nada no tratamento dos pacientes. Agora, isso passa a ser muito importante, pois podemos oferecer um tratamento que aumenta a sobrevida de 67% das pacientes com câncer de mama avançado ou metastático que eram consideradas como não elegíveis para tratamento anti-HER2 até poucos meses atrás", esclarece.

"Mesmo com essa mudança de perspectiva de tratamento para os tumores HER2-low, o último guideline do CAP/ASCO publicado em 2023 ainda não incluiu orientações detalhadas para classificarmos os tumores como HER2- low", conclui.

A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto. 

Referências:

1 - Viale et al. Retrospective study to estimate the prevalence and describe the clinicopathological characteristics, treatments received, and outcomes of HER2-low breast cancer. ESMO Open 2023 Aug 8;8(4):101615. doi: 10.1016/j.esmoop.2023.101615

2 - Modi S et al. Trastuzumab Deruxtecan in Previously Treated HER2-Low Advanced Breast Cancer. N Engl J Med. 2022 Jul 7;387(1):9-20. doi: 10.1056/NEJMoa2203690.

3 - Venetis et al. HER2 Low, Ultra-low, and Novel Complementary Biomarkers: Expanding the Spectrum of HER2 Positivity in Breast Cancer. Front Mol Biosci. 2022 Mar 15; 9:834651. doi: 10.3389/fmolb.2022.834651