Em trabalho publicado na revista Gynecologic Oncology, o cirurgião oncológico Glauco Baiocchi (foto), diretor do Departamento de Ginecologia Oncológica do A.C.Camargo Cancer Center, e colegas relatam a primeira cirurgia de transposição uterina para preservação da fertilidade no câncer do colo do útero já realizada. O procedimento executado em uma paciente de 33 anos com câncer de colo do útero estádio Ib1 (<2cm) que foi submetida a uma traquelectomia radical e preenchia os critérios para radioterapia adjuvante havia sido selecionado para apresentação em vídeo na edição de 2018 do Congresso da Society of Gynecologic Oncology (SGO).
“A traquelectomia radical mantem a radicalidade cirúrgica e difere da histerectomia radical devido à manutenção do corpo do útero e ovários. São retirados o colo, vagina, ligamentos do colo (paramétrios) e gânglios da pelve”, afirma Baiocchi.
A paciente teve os óvulos recuperados e recebeu gosserrelina (10,8 mg) antes da cirurgia. O corpo do útero e os ovários foram descolados para formar a anastomose vaginal anterior, laparoscopicamente mobilizada e suturada na parede abdominal superior. A radioterapia adjuvante externa (45 GY) foi administrada na pelve e, na semana seguinte, o útero e o ovário foram reposicionados e suturados na vagina.
“O corpo do útero se mantém vascularizado pelos vasos sanguíneos que vêm dos ovários, e é suturado diretamente na vagina. Após a traquelectomia radical, o resultado da biopsia do colo do útero sugeriu que a paciente tinha fatores de risco que necessitavam de radioterapia na pelve, o que poderia levá-la à esterilidade. Seguimos a técnica de transposição uterina inédita publicada pelo cirurgião Reitan Ribeiro em um paciente com câncer de reto que também teria que ser submetida à radioterapia e perderia a fertilidade”, explica.
Em editorial, a cirurgiã Marcela G. del Carmen, da Divisão de Ginecologia Oncológica do Massachusetts General Hospital, observa que embora o procedimento tenha sido descrito anteriormente no manejo de um paciente com câncer retal, sua aplicação à oncologia ginecológica e a um paciente tratado por traquelectomia radical, que necessitava de radioterapia adjuvante que poderia torná-la incapaz de engravidar, é inédita. “Esse procedimento proporciona às pacientes em idade fértil que necessitam de radioterapia a proteção do útero e estruturas anexiais fora do campo de radiação, com subsequente reposicionamento desses órgãos na pelve, a oportunidade de preservar a fertilidade”, afirmou.
Del Carmen ressalta ainda que que a criopreservação e o transplante de tecido ovariano são tecnicamente possíveis, mas sua utilização no atendimento clínico continua sendo investigacional. “Essas técnicas não corrigem a limitação de realizar uma gravidez, enfrentada por mulheres com câncer que necessitam de tratamento por histerectomia ou radiação, resultando em redução do volume uterino, distensão comprometida, fibrose ou ablação do endométrio. A transposição uterina oferece uma alternativa ao transplante, que acarreta riscos de rejeição, imunossupressão e geralmente requer histerectomia para evitar essas complicações a longo prazo”, avalia.
A paciente teve alta hospitalar no 2º dia pós-operatório, sem complicações precoces, e após 6 meses de acompanhamento apresenta menstruações regulares e nenhuma evidência de recorrência.
“O procedimento mostra que a transposição uterina é viável após a traquelectomia radical em pacientes selecionados que ainda desejam preservar a fertilidade. No entanto, são necessários mais estudos que abordem sua eficácia e segurança”, conclui Baiocchi.
Referência: Uterine transposition after radical trachelectomy - Glauco Baiocchi, Henrique Mantoan, Michael Jenwei Chen, Carlos Chaves Faloppa - August 2018 Volume 150, Issue 2, Pages 387–388 - DOI: https://doi.org/10.1016/j.ygyno.2018.05.009https://doi.org/10.1016/j.ygyno.2018.05.009