Onconews - Projeções para 2050 estimam impacto econômico do câncer, doença cardíaca, demência e AVC

Câncer, doença cardíaca coronária, demência e acidente vascular cerebral (AVC) são as principais causas de morbidade e mortalidade na Inglaterra. Análise sobre o ônus econômico (custos de assistência médica, assistência social e assistência informal, além de perdas de produtividade) estimou o impacto dessas quatro condições crônicas até 2050. O médico epidemiologista, Arn Migowski (foto), comenta o trabalho que mostra o efeito do envelhecimento populacional projetado nas próximas décadas. Segundo os autores, com base apenas na mudança demográfica, os custos do câncer aumentarão em 40%, os da doença cardíaca coronária em 54%, os da demência em 100% e os do AVC em 85%.

Nesta análise, pesquisadores da Universidade de Oxford utilizaram dados individuais de pacientes do Clinical Practice Research Datalink Aurum (CPRD), que contém registros eletrônicos de saúde de cuidados primários de pacientes de 738 clínicas na Inglaterra, para calcular o uso de recursos de assistência médica, assistência residencial e em asilos. A pesquisa também considerou dados do English Longitudinal Study on Ageing (ELSA) para calcular os custos de assistência formal e informal.

Do CPRD Aurum, foram incluídos pacientes registrados em 1º de janeiro de 2018, em uma clínica geral do CPRD com registros vinculados ao Hospital Episode Statistics (HES), omitindo todas as crianças menores de 1 ano. Do ELSA, foram considerados dados coletados entre 2018–19. Dados agregados de uso de recursos em inglês sobre morbidade, mortalidade e assistência médica, assistência social e assistência informal foram obtidos e repartidos, usando análises de regressão multivariável, para câncer, doença cardíaca coronária, demência e acidente vascular cerebral.

Os resultados foram relatados em acesso aberto no Lancet Halthy Longevity e compreendem dados de 4.161.558 pacientes do CPRD Aurum vinculados ao HES (idade média de 41 anos; 50,0% homens) e 8.736 pacientes do ELSA (68 anos; 55,9% homens).

 Em 2018, o custo total foi de 18,9 bilhões de libras (£) para câncer, £ 12,7 bilhões para doença cardíaca coronária, £ 11,7 bilhões para demência e £ 8,6 bilhões para acidente vascular cerebral. Usando projeções populacionais inglesas para 2050, a estimativa indica que os custos da carga do câncer vão aumentar em 40% (39–41), prevendo evolução de 54% (53–55) no impacto econômico de doença cardíaca coronária, 100% (97–102) para demência e 85% (84–86) para AVC, para um total de £ 26,5 bilhões (25,7–27,3), £ 19,6 bilhões (18,9–20,2), £ 23,5 bilhões (19,3–25,3) e £ 16,0 bilhões (15,3–16,6), respectivamente.

“Os dados ajudarão a informar políticas baseadas em evidências para reduzir o impacto de doenças crônicas, promovendo acesso a cuidados, melhores resultados de saúde e sustentabilidade econômica”, analisam os autores.

A pesquisa mostra diferenças importantes entre as áreas da economia que assumem a pressão desses custos. “Por exemplo, os custos de assistência médica da demência foram responsáveis por 13% (£ 1,5 bilhão) do total, com a maioria dos custos sendo suportados pelo sistema de assistência social (£ 6,4 bilhões, 55% dos custos totais). Em contraste, no câncer, a maioria dos custos foi suportada pelo mercado de trabalho, com £ 8,3 bilhões em perda de produtividade (44% dos custos totais).

O estudo foi financiado pela Alzheimer's Research UK.

Impacto econômico do câncer e das doenças cardiovasculares: causas e estratégias de controle no contexto brasileiro.
Por Arn Migowski, médico epidemiologista.

O estudo de Landeiro e colaboradores estima um cenário preocupante para a Inglaterra, com projeções do impacto econômico de câncer, demência e um subgrupo de doenças cardiovasculares (DCV) formado por doença arterial coronariana e AVC.

Os custos com essas doenças devem ser entendidos não apenas como custos diretos com assistência à saúde, mas também custos indiretos, como incapacidade e perda de produtividade, com impactos não só para os doentes, mas para suas famílias e para a sociedade em geral, isso sem considerar os custos inatingíveis ligados à perda de qualidade de vida e ao sofrimento.

Com a transição epidemiológica, demográfica e nutricional das últimas décadas no Brasil, as nossas preocupações são análogas. As DCV e o câncer são os dois primeiros grupos de causa de mortalidade em nosso país. Além da questão do envelhecimento populacional, há evidências indicando que para câncer não conseguiremos atingir a meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas de redução do risco de morte prematura em um terço para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) até 2030. E os custos por morte prematura por DCV também são elevados no Brasil. Há evidências de que, no Brasil, o aumento da morbidade pelas DCNT tem sido proporcionalmente maior até mesmo do que o da mortalidade.

Uma das principais causas desse cenário é o que há tendência de aumento da prevalência de diversos fatores de risco para essas doenças no país. Dados de inquéritos epidemiológicos nas capitais brasileiras, mostram que nas últimas décadas a prevalência de obesidade, fator de risco para diversos tipos de câncer e de DCV, vem aumentando e o mesmo vem ocorrendo com o sobrepeso. Em anos mais recentes também tem havido aumento da prevalência de hipertensão arterial, importante fator de risco para diversas DCV. A grande exceção entre os principais fatores de risco para esses dois grandes grupos de doença é o tabagismo, graças às bem-sucedidas políticas de controle das últimas décadas no país, mas que demanda cuidado redobrado em políticas públicas para coibir as novas estratégias da indústria do tabaco voltadas para crianças e jovens.

Além da prevenção primária, o rastreamento de assintomáticos também é uma estratégia recomendada, por exemplo, para hipertensão arterial e para poucos tipos de câncer. Estratégias mais amplas de conscientização sobre os sinais e sintomas iniciais de alerta para essas doenças, acompanhados de melhor acesso à avaliação diagnóstica de qualidade, são fundamentais para diversos tipos de câncer e na otimização do atendimento de urgência à síndrome coronariana aguda e a casos suspeitos de AVC, reduzindo mortalidade e sequelas. Paralelamente, a avaliação de tecnologias em saúde deve fornecer critérios racionais na comparação da efetividade e eficiência de diversas intervenções para auxiliar nosso sistema de saúde a enfrentar esses enormes desafios. Todas essas medidas devem ser vistas não apenas como gastos, mas como investimentos que trarão retornos futuros ao mitigar o gigantesco e crescente impacto econômico dessas doenças.

Referência:

Open Access Published: July 25, 2024,
The economic burden of cancer, coronary heart disease, dementia, and stroke in England in 2018, with projection to 2050: an evaluation of two cohort studies;
Landeiro, Filipa et al. The Lancet Healthy Longevity, Volume 0, Issue 0
https://www.thelancet.com/journals/lanhl/article/PIIS2666-7568(24)00108-9/fulltext