Publicados no Annals of Oncology, os resultados de longo prazo do estudo RADICALS-RT confirmam que a radioterapia adjuvante após a prostatectomia radical aumenta o risco de morbidade urinária e intestinal, sem melhorar significativamente o controle da doença. O radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto) comenta os resultados.
O momento ideal para a radioterapia (RT) após a prostatectomia radical para câncer de próstata não está estabelecido. O ensaio clínico randomizado RADICALS-RT (NCT00541047) comparou a eficácia e segurança da radioterapia adjuvante versus observação com radioterapia de resgate para falha do PSA.
O estudo incluiu pacientes com um ou mais fatores de risco para recorrência após prostatectomia radical (pT3/4, Gleason 7-10, margens positivas, PSA pré-operatório ≥10ng/ml). Os pacientes foram randomizados 1:1 para RT adjuvante ou observação com RT de resgate para falha de PSA, definida como PSA ≥ 0,1ng/ml ou 3 aumentos consecutivos. Os fatores de estratificação foram escore de Gleason, status de margem, cronograma planejado de RT (52,5Gy/20 frações ou 66Gy/33 frações) e centro de tratamento.
O endpoint primário foi ausência de metástases à distância (freedom-from-distant metastasis), projetado com poder de 80% para detectar uma melhora de 90% com radioterapia de resgate (controle) para 95% em 10 anos com radioterapia adjuvante. Os desfechos secundários foram sobrevida livre de progressão bioquímica (do inglês, bPFS - Biochemical progression-free survival), ausência de terapia hormonal não protocolar, segurança e resultados relatados pelo paciente. Foram utilizados métodos padrão de análise de sobrevida; HR<1 favorece RT-adjuvante.
Resultados
Entre outubro de 2007 e dezembro de 2016, foram randomizados 1.396 participantes do Reino Unido, Dinamarca, Canadá e Irlanda: 699 para radioterapia de resgate e 697 para radioterapia adjuvante. Os grupos alocados foram balanceados com idade média de 65 anos. 93% (649/697) da radioterapia adjuvante relatarou radioterapia dentro de 6 meses após a randomização; 39% (270/699) de terapia de resgate relatou radioterapia durante o acompanhamento. O acompanhamento médio foi de 7,8 anos.
Com 80 eventos de metástase à distância, a ausência de metástases à distância em 10 anos foi de 93% para RT adjuvante e 90% para RT de resgate: HR=0,68 (IC 95% 0,43–1,07, p=0,095). Das 109 mortes, 17 foram devido ao câncer de próstata. A sobrevida global não melhorou (HR=0,980, IC 95% 0,667–1,440, p=0,917). A radioterapia adjuvante demonstrou piora da incontinência urinária e fecal um ano após a randomização (p=0,001); a incontinência fecal permaneceu significativa após dez anos (p=0,017).
“Os resultados de longo prazo do RADICALS-RT confirmam que a radioterapia adjuvante após a prostatectomia radical aumenta o risco de morbidade urinária e intestinal, mas não melhora significativamente o controle da doença. Uma política de observação com radioterapia de resgate para falha do PSA deveria ser o padrão atual após prostatectomia radical”, concluíram os autores.
O estudo em contexto
Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco)
Um dos dilemas mais proeminentes no campo da uro-oncologia era a questão se deveríamos intervir terapeuticamente em pacientes submetidos à cirurgia para câncer de próstata imediatamente após o procedimento, ou se deveríamos aguardar até que a doença demonstrasse sinais de recorrência. Este assunto foi objeto de intensos debates em plenárias dos mais prestigiosos congressos globais por mais de uma década, com argumentos fervorosos sendo apresentados por ambos os lados.
Urologistas argumentavam, com justificativa, que estávamos submetendo um grande número de pacientes a tratamentos desnecessários, enquanto os radioterapeutas defendiam que a intervenção precoce reduzia a recorrência e proporcionava um aumento na sobrevida, talvez para uma porcentagem significativa desses pacientes.
A dificuldade residia no fato de que essa discussão estava fundamentada em estudos antigos, nos quais pacientes com doenças já avançadas na recorrência foram randomizados em uma era que apenas começava-se a utilizar o PSA.
Após anos de controvérsia, tivemos o privilégio de presenciar as apresentações de três estudos em 2019 (RADICALS, RAVES, GETUG-17). Esses três estudos, juntamente com uma metanálise dos mesmos, revelaram que o tratamento de pacientes com câncer de próstata pós-prostatectomia de forma adjuvante não proporcionava melhores desfechos oncológicos para essa população quando comparado a tratamentos de resgate de forma precoce.
No entanto, como nem tudo são flores na medicina, novas incertezas surgiram. Com estes estudos, e reforçado agora com dados tardios, aprendemos que não precisamos tratar a grande maioria dos pacientes de forma adjuvante, mas sim de forma precoce na recorrência, embora eles tenham, em sua maioria, pacientes de risco intermediário e margens positivas, estes considerados pacientes com doenças mais indolentes.
Também aprendemos a definir melhor a recorrência precoce e não deixar o PSA subir até 0,2, 0,5 ou 1,0ng/ml, como era praticado anteriormente, ou seja, devemos tratar precocemente com o PSA subindo (duas subidas consecutivas) ou bem baixos, como ≥ 0,1 no caso usado no estudo RADICALS.
Novas dúvidas surgiram e alguns debates existem. Pacientes de muito alto risco (Gleason 9 e 10, pT3b) e pacientes com linfonodos positivos parecem ser pacientes que merecem receber tratamento adjuvante. Esta população não foi bem amostrada ou foi excluída dos estudos, e dados retrospectivos de boa qualidade sugerem que esse grupo possivelmente tenha melhores desfechos de sobrevida livre de metástase em 5 a 10 anos quando recebem tratamento adjuvante ou muito precoce. Outro ponto novo é a inclusão de privação androgênica (ADT) pós cirurgia e novas formas de selecionar os pacientes com testes genômicos como DecipherÒ para selecionar quem deve receber radioterapia adjuvante ou associação de ADT.
Por ora, o mais recomendado é não indicar adjuvância para a maioria dos pacientes, discutir em casos de muito alto risco e favorecer em pacientes com linfonodos positivos associado a privação androgênica. Em poucos anos, teremos estudos incorporando testes genômicos e até inteligência artificial para selecionar melhor quem deve receber tratamentos adicionais à prostatectomia de forma muito mais precisa.
Referência: Parker CC, Petersen PM, Cook AD, Clarke NW, Catton C, Cross WR, Kynaston H, Parulekar WR, Persad RA, Saad F, Bower L, Durkan GC, Logue J, Maniatis C, Noor D, Payne H, Anderson J, Bahl AK, Bashir F, Bottomley DM, Brasso K, Capaldi L, Cooke PW, Chung C, Donohue J, Eddy B, Heath CM, Henderson A, Henry A, Jaganathan R, Jakobsen H, James ND, Joseph J, Lees K, Lester J, Lindberg H, Makar A, Morris SL, Oommen N, Ostler P, Owen L, Patel P, Pope A, Popert R, Raman R, Ramani V, Røder A, Sayers I, Simms M, Srinivasan V, Sundaram S, Tarver KL, Tran A, Wells P, Wilson J, Zarkar AM, Parmar MKM, Sydes MR; RADICALS investigators. Timing of Radiotherapy (RT) After Radical Prostatectomy (RP): Long-term outcomes in the RADICALS-RT trial [NCT00541047]. Ann Oncol. 2024 Apr 5:S0923-7534(24)00105-4. doi: 10.1016/j.annonc.2024.03.010. Epub ahead of print. PMID: 38583574.