Onconews - Radioterapia em nódulos regionais no câncer de mama inicial

bernardo salvajoli 2020 bxA radioterapia de nódulos regionais reduziu significativamente a mortalidade por câncer de mama e a mortalidade por todas as causas em ensaios realizados após a década de 1980, mas não em ensaios mais antigos, refletindo melhorias da radioterapia ao longo do tempo. Os resultados da meta-análise realizada por investigadores do Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group (EBCTCG) foram publicados no The Lancet, em acesso aberto. O radio-oncologista Bernardo Salvajoli (foto) comenta os resultados.

A radioterapia tornou-se muito mais precisa a partir desde a década de 1980, melhorando tanto a segurança como a eficácia. No câncer de mama, a radioterapia nos gânglios linfáticos regionais tem como objetivo reduzir os riscos de recorrência e morte. Seus efeitos foram estudados em ensaios randomizados, alguns antes da década de 1980 e outros após essa data.

Nesta meta-análise de dados de pacientes individuais, o objetivo foi avaliar os efeitos da radioterapia em linfonodos regionais nessas duas épocas. Os pesquisadores buscaram dados de todos os ensaios randomizados de radioterapia de linfonodos regionais versus nenhuma radioterapia de linfonodos regionais em mulheres com câncer de mama em estágio inicial (incluindo um estudo que irradiou linfonodos apenas se o câncer fosse do lado direito).

Os ensaios foram identificados através de pesquisas sistemáticas regulares da EBCTCG em bases de dados, incluindo MEDLINE, Embase, Biblioteca Cochrane e abstracts de congressos científicos. Os testes eram elegíveis se começassem antes de 1º de janeiro de 2009.

A única diferença sistemática entre os grupos de tratamento foi na radioterapia de linfonodos regionais (para a cadeia mamária interna, fossa supraclavicular ou axila, ou qualquer combinação destes).

Os desfechos primários foram recorrência em qualquer local, mortalidade por câncer de mama, mortalidade não relacionada ao câncer de mama e mortalidade por todas as causas.

Resultados

Foram elegíveis 17 ensaios, 16 deles com dados disponíveis (n = 14.324 participantes). Nos oito estudos mais recentes (n = 12.167 pacientes), iniciados entre 1989 e 2008, a radioterapia de linfonodos regionais reduziu significativamente a recorrência (rate ratio 0,88, 95% CI 0,81–0,95; p = 0,0008).

O principal efeito foi na recorrência à distância, uma vez que foram relatadas poucas recorrências de linfonodos regionais. A radioterapia reduziu significativamente a mortalidade por câncer de mama (RR 0,87, 95% CI 0,80–0,94; p=0,0010), sem efeito significativo na mortalidade não relacionada ao câncer de mama (0,97, 0,84– 1,11; p=0,63), levando a uma redução significativa da mortalidade por todas as causas (0,90, 0,84–0,96; p=0,0022).

Num cálculo ilustrativo, as reduções absolutas estimadas na mortalidade por câncer de mama em 15 anos foram de 1,6% para mulheres sem nódulos axilares positivos, 2,7% para aquelas com um a três nódulos axilares positivos e 4,5% para aquelas com quatro ou mais nódulos axilares positivos.

Nos oito ensaios mais antigos (2.157 pacientes), iniciados entre 1961 e 1978, a radioterapia de linfonodos regionais teve pouco efeito na mortalidade por câncer de mama (RR 1,04, 95% CI 0,91–1,20; p = 0,55), mas aumentou significativamente a mortalidade não relacionada ao câncer de mama (1,42, 1,18–1,71; p=0,00023), com risco principalmente após o ano 20, e mortalidade por todas as causas (1,17, 1,04 –1·31; p=0·0067).

Para Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco), uma meta-análise de dados individuais dos pacientes de estudos randomizados é sempre bem-vinda, pois melhora a assertividade estatística e se torna uma das evidências mais robustas que existem. “Temos que parabenizar o grupo colaborativo EBCTCG e os autores pelo enorme esforço em coletar e analisar esses dados, que nos mostram resultados reais de como a melhora na técnica de radioterapia provavelmente impactou positivamente nos desfechos das pacientes com neoplasia de mama. Digo “provavelmente” porque, num contexto histórico tão longo, existem inúmeras outras variáveis que podem confundir os dados, por melhores que eles sejam”, observa.

“É inegável que a radioterapia melhorou. Não usamos mais cobalto, hoje vemos o que estamos fazendo através de exames sofisticados como tomografia, ressonância e PET/CT, e a incorporação desses exames no tratamento tridimensional certamente melhorou o tratamento, além de permitir reduções significativas de toxicidades”, afirma Salvajoli, citando como exemplo a dose cardíaca. “Na era 2D, não era incomum doses medianas no coração na ordem de 15 a 20Gy, sendo que hoje, nos trabalhos mais modernos, conseguimos doses de 1 a 2Gy”, ilustra.

No entanto, o especialista ressalta que outros fatores também contribuíram para a melhora dos resultados, principalmente melhores exames de diagnóstico e a introdução e melhorias nos tratamentos sistêmicos, que contribuem bastante em pacientes com doença avançada e doença linfonodal positiva. “Independente de quanto cada um desses fatores possa influenciar os resultados, é notável a melhor capacidade técnica da radioterapia moderna com novas técnicas como intensidade modulada (IMRT), arcoterapia volumétrica (VMAT) e radioterapia guiada por imagem (IGRT). Com essas ferramentas, hoje podemos assegurar que as pacientes terão bons desfechos oncológicos, garantindo principalmente tratamentos muito mais seguros e precisos, com baixíssimas taxas de complicações”, conclui.

O estudo foi financiado pela Cancer Research UK, Medical Research Council.

Referências: Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group (EBCTCG). Radiotherapy to regional nodes in early breast cancer: an individual patient data meta-analysis of 14324 women in 16 trials. The Lancet; Published online 3 November 2023. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(23)01082-6