Onconews - Recomendações para o manejo da constipação em pacientes com câncer avançado

ricardo caponero 232 200 NET OK 2O Grupo de Estudo em Cuidados Paliativos da Associação Multinacional de Cuidados de Suporte em Câncer (do inglês, MASCC) formou um subgrupo para desenvolver recomendações baseadas em evidências sobre o manejo da constipação em pacientes com câncer avançado. Os resultados foram publicados no periódico Supportive Care in Cancer.1 Quem comenta é o oncologista Ricardo Caponero (foto), coordenador do Centro Avançado de Terapia de Suporte e Medicina Integrativa do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que participou da elaboração das diretrizes.

“A percepção e adequada avaliação dos sintomas da doença neoplásica e de todos os potenciais eventos adversos é fundamental para que as melhores soluções terapêuticas sejam aplicadas, se possível, de forma pró-ativa. O controle adequado dos sintomas é de suma importância para a manutenção da melhor qualidade de vida possível e, como sabemos desde o trabalho de Etan Bash, apresentado na ASCO 2018, pode garantir uma maior sobrevida”, observa Caponero.

A constipação é um problema comum em pacientes com câncer avançado, sendo causa de morbidade significativa nesse grupo de pacientes. A prevalência relatada de constipação em pacientes com câncer avançado é de 32 a 87%, o que reflete métodos variáveis ​​de avaliação, bem como diferentes populações de estudo (por exemplo, pacientes internados geralmente têm uma prevalência mais alta que pacientes ambulatoriais)2. Da mesma forma, a prevalência relatada de constipação induzida por opióides em pacientes com dor de câncer é de 5 a 97%, o que reflete novamente métodos de avaliação variáveis, bem como diferentes populações estudadas3.

“A constipação induzida por opioides, e agravada por diversos contextos clínicos, é frequentemente subestimada e subtratada, impondo riscos e desconforto desnecessários aos nossos pacientes”, ressalta Caponero. “A presente revisão tem o objetivo de fornecer orientação atualizada a todos os profissionais que lidam com doentes portadores de neoplasia que estão em uso de opioides”, acrescenta o especialista.

As recomendações incluem aquelas apoiadas por níveis “altos” de evidência (por exemplo, revisões sistemáticas), bem como aquelas apoiadas por níveis “baixos” de evidência (por exemplo, opinião de especialistas), caso o tópico fosse considerado clinicamente relevante.

O grupo adotou a definição de câncer avançado do Instituto Nacional do Câncer (NCI) (ou seja, “câncer que se espalhou para outros locais do corpo e geralmente não pode ser curado ou controlado com tratamento”)4, e os dados foram incluídos em estudos envolvendo pacientes que ainda recebem tratamento anticâncer e também pacientes com câncer que recebem apenas cuidados paliativos (ou ambas as modalidades).

Recomendações

Foram elaboradas 15 recomendações, com diferentes níveis de evidência e, portanto, diferentes categorias de diretrizes. As recomendações estão relacionadas à avaliação, tratamento e reavaliação da constipação.

As diretrizes sugerem que todos os pacientes com câncer avançado sejam avaliados regularmente quanto à constipação (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão). O objetivo é determinar (a) a presença de constipação; (b) a etiologia da constipação (isto é, funcional, secundária); e (c) outros fatores que podem influenciar a escolha da intervenção.

O manejo da constipação deve ser individualizado (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão). O tratamento depende da etiologia da constipação (funcional, induzida por opióides); das características clínicas (impactação fecal, fezes no reto); e de fatores relacionados ao paciente (por exemplo, preferências pessoais, comorbidades).

O documento também recomenda que se ofereça privacidade e equipamentos adequados para promover defecação (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão); e destaca que mudanças no estilo de vida (por exemplo, fibra alimentar, exercício) têm um papel limitado em pacientes com câncer avançado (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

Causas reversíveis da constipação devem ser tratadas e possíveis fatores agravantes devem ser minimizados (nível de evidência - V; categoria da diretriz - sugestão). Em alguns casos de constipação secundária, é possível tratar a condição subjacente ou interromper o medicamento constipante e, assim, melhorar a constipação. Deve-se notar que reduzir a dose de opioide, invariavelmente, não melhora a constipação induzida por opioides, embora alternar o opioide às vezes resulte em melhoras no quadro5.

Os laxantes convencionais devem ser considerados como tratamento de primeira linha em pacientes com constipação funcional (nível de evidência I; categoria de recomendação de diretrizes) e secundária (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

Caso os pacientes com constipação funcional/secundária não respondam aos laxantes convencionais de primeira linha, a recomendação é reavaliar o paciente e considerar adicionar ou mudar para outro laxante convencional ou medicamento especializado (por exemplo, linaclotídeo, lubiprostona e prucaloprida) (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

Antagonistas periféricos dos receptores opióides mu (PAMORAs) sempre devem ser considerados em pacientes com constipação induzida por opioides (nível de evidência - I; categoria de orientação - recomendação). Se os pacientes não responderem aos PAMORAs, é necessário reavaliar e considerar a adição ou mudança para um laxante convencional ou medicamento especializado (por exemplo, lubiprostona, prucaloprida) (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

Pacientes com prescrição de analgésicos opioides devem também ter laxantes (ou um PAMORA) prescritos rotineiramente (nível de evidência - IV; categoria de orientação - sugestão).

Supositórios/enemas devem ser usados ​​apenas em pacientes com evidência de fezes no reto e/ou cólon descendente que não tenham respondido a outras intervenções (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão). Outras intervenções geralmente devem ser utilizadas apenas em pacientes com constipação "resistente" (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

As diretrizes recomendam ainda que todos os pacientes com constipação sejam reavaliados regularmente (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão), e aqueles com constipação resistente sejam encaminhados a um especialista para investigação/manejo (nível de evidência - V; categoria de orientação - sugestão).

Referências:

1 - MASCC recommendations on the management of constipation in patients with advanced cancer - Davies, A., Leach, C., Caponero, R. et al. Support Care Cancer (2019). https://doi.org/10.1007/s00520-019-05016-4

2 - Larkin PJ, Sykes NP, Centeno C, Ellershaw JE, Elsner F, Eugene B, Gootjes JRG, Nabal M, Noguera A, Ripamonti C, Zucco F, Zuurmond WWA, On behalf of The European Consensus Group on Constipation in Palliative Care (2008) The management of constipation in palliative care: clinical practice recommendations. Palliat Med 22:796–807

3 - Oosten AW, Oldenmenger WH, Mathijssen RH, van der Rijt CC (2015) A systematic review of prospective studies reporting adverse events of commonly used opioids for cancer-related pain: a call for the use of standardized outcome measures. J Pain 16:935–946

4 - National Cancer Institute Dictionary of Cancer https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms Accessed 4th November 2018

5 - Cherny N, Ripamonti C, Pereira J, Davis C, Fallon M, McQuay H, Mercadante S, Pasternak G, Ventafridda V, for the Expert Working Group of the European Association of Palliative Care Network (2001) Strategies to manage the adverse effects of oral morphine: an evidence-based report. J Clin Oncol 19:2542–2554