Qual é o regime de quimioterapia ideal para pacientes idosas vulneráveis com câncer de ovário? Estudo publicado no JAMA Oncology demonstrou que carboplatina como agente único foi menos viável e ativa em comparação com o regime convencional de carboplatina-paclitaxel a cada 3 semanas. “Apesar dos efeitos tóxicos relativamente altos em todos, um regime de doublet convencional (carboplatina e paclitaxel a cada 21 dias) deve ser oferecido a todas as pacientes idosas com câncer de ovário, independentemente da vulnerabilidade”, destaca a publicação. A oncologista Angélica Nogueira-Rodrigues (foto), professora e pesquisadora da UFMG, e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG), comenta os resultados.
A cada ano, mais de 300 mil mulheres são diagnosticadas com câncer de ovário no mundo, cerca de 6.600 no Brasil, e mais da metade têm mais de 65 anos. A idade avançada está associada a um risco aumentado de progressão da doença e morte. Cada incremento de 5 anos de idade após 65 anos, a sobrevida diminui, e apenas 33% das mulheres entre 80 e 84 anos sobrevivem um ano após o diagnóstico. “O tratamento baseado em doublets de quimioterápicos citotóxicos segue sendo o padrão em pacientes com doença inicial e recidivada até o cenário de platino resistência, salvo em pacientes que tenham contraindicação à platina. No entanto, na prática clínica, disseminou-se o conceito de que pacientes frágeis deveriam ser poupadas de combinações terapêuticas, sob o risco de maior toxicidade, mas existe uma limitação de dados para esta tomada de decisão e necessidade de estudos prospectivos, conforme já destacado desde o 4º Consenso em Câncer de Ovário publicado por Freyer et al”, observa Angélica.
Frequentemente, a carboplatina como agente único é proposta para substitutr o doublet de carboplatina-paclitaxel convencional em pacientes idosas com câncer de ovário vulneráveis. No entanto, a abordagem pode ter um efeito prejudicial nos resultados dessas pacientes. “Nesse estudo, buscamos comparar a viabilidade, eficácia e segurança dos regimes de carboplatina como agente único a cada 3 semanas, carboplatina-paclitaxel semanal ou carboplatina-paclitaxel convencional a cada 3 semanas nessa população de pacientes”, afirmam os autores.
O ensaio clínico internacional, aberto e randomizado, de 3 braços, rastreou 447 mulheres com 70 anos ou mais com câncer de ovário recém-diagnosticado em estágio III / IV por meio da determinação de seu escore de vulnerabilidade geriátrica; 120 pacientes com uma pontuação de vulnerabilidade geriátrica de 3 ou superior foram estratificadas por país e resultado cirúrgico. A inscrição ocorreu entre 11 de dezembro de 2013 e 26 de abril de 2017 em 48 centros acadêmicos na França, Itália, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Canadá. A análise de dados foi realizada entre 2 de janeiro e 2 de maio de 2019.
As pacientes foram randomizadas para receber 6 ciclos de carboplatina, área sob a curva (AUC) 5 mg/mL·min + paclitaxel 175 mg/m2, a cada 3 semanas (grupo 1); carboplatina como agente único, AUC 5 mg/mL·min ou AUC 6 mg/mL·min, a cada 3 semanas (grupo 2); ou carboplatina semanal, AUC 2 mg/mL·min, mais paclitaxel, 60 mg/m2, nos dias 1, 8 e 15 a cada 4 semanas (grupo 3).
O endpoint primário foi a viabilidade do tratamento, definida como a capacidade de completar 6 ciclos de quimioterapia sem progressão da doença, descontinuação do tratamento relacionada aos efeitos tóxicos prematuros ou morte.
Resultados
No total, 120 mulheres foram randomizadas, com mediana de 80 anos (intervalo interquartil, 76-83; intervalo, 70-94). 43 (36%) tiveram uma pontuação de vulnerabilidade geriátrica de 4 e 13 (11%) tiveram uma pontuação de vulnerabilidade geriátrica de 5; 40 (33%) apresentavam doença em estágio IV.
Seis ciclos foram concluídos em 26 de 40 (65%) pacientes na combinação a cada 3 semanas, 19 de 40 (48%) pacientes no grupo carboplatina como agente único, e 24 de 40 (60%) pacientes no grupo de combinação semanal.
Os eventos adversos relacionados ao tratamento foram menos comuns com a combinação padrão a cada 3 semanas (17 de 40 [43%]) em comparação com a carboplatina de agente único ou terapia de combinação semanal (ambas 23 de 40 [58%]). Mortes relacionadas ao tratamento ocorreram em 4 pacientes (2 de 40 [5%] em cada grupo de combinação).
O Comitê Independente de Monitoramento de Dados (CIMD) recomendou o encerramento do estudo, uma vez que a carboplatina como agente único foi associada a uma sobrevida significativamente pior.
Para Angélica, os dados do estudo EWOC precisam ser avaliados com cautela, uma vez que a proposta escalonada de inclusão de pacientes conforme desenho de Bryant and Day de fase II fora abandonada por toxicidade em todos os braços, o número inicial de pacientes planejadas não foi atingido e há aparente heterogeneidade entre as coortes em termos de fatores de risco: a coorte de platina isolada teve percentualmente mais pacientes estágio IV (40%, 28% e 33%), com escore geriátrico 5 (18%, 10% e 5%) e que foram submetidas a cirurgias R1 (68%, 63% e 58%), quando comparada aos esquemas de doublets de 21/21 dias e semanais. “Esta heterogeneidade pode ser consequência do número pequeno de pacientes por coorte terapêutica. Ressaltadas estas limitações, este ensaio clínico de fase II randomizado revelou que, em comparação com os regimes de carboplatina-paclitaxel a cada 3 semanas ou semanais, a carboplatina como agente único foi menos ativa, com resultados de sobrevida piores em pacientes idosas vulneráveis com câncer de ovário”, conclui.
O estudo está registrado em ClinicalTrials.gov, NCT02001272.
Referência: Falandry C, Rousseau F, Mouret-Reynier M, et al. Efficacy and Safety of First-line Single-Agent Carboplatin vs Carboplatin Plus Paclitaxel for Vulnerable Older Adult Women With Ovarian Cancer: A Randomized Clinical Trial. JAMA Oncol. Published online April 22, 2021. doi:10.1001/jamaoncol.2021.0696
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