Estudo publicado no Lancet reuniu evidências sobre o risco de câncer de mama associado a diferentes tipos de terapia de reposição hormonal na menopausa (TRH), em análise que considerou mais de 100 mil mulheres na pós-menopausa. Os resultados indicam que todos os tipos de TRH, exceto os estrogênios vaginais, aumentaram o risco de câncer de mama, que foi maior conforme a duração do uso, assim como foi maior para estrogênio-progestágeno do que para as terapias com estrogênio isolado. Os mastologistas César Cabello (na foto, à esquerda) e Alfredo Barros comentam os achados.
Os pesquisadores usaram dados de todos os estudos prospectivos elegíveis, considerando fontes formais e informais, de 1992 a 2018. Foram incluídas usuárias atuais de TRH e mulheres até 5 anos (média de 1,4 anos) após o último relato da TRH. A análise utilizou regressão logística com taxas de risco ajustadas (RRs) para comparar grupos específicos de usuárias de TRH versus nunca usuárias.
Resultados
Durante o acompanhamento prospectivo, 108 647 mulheres na pós-menopausa desenvolveram câncer de mama, com idade média de 65 anos. Dessa população, 55 575 mulheres (51%) fizeram TRH. Entre aquelas com informações completas para análise, a duração média da THM foi de 10 anos em usuárias atuais e de 7 anos em usuárias anteriores. A média de idade da menopausa foi de 50 anos, assim como a média de idade para início da TRH.
Entre as usuários atuais de THM, o aumento de risco foi observado mesmo durante os anos 1–4 (estrogênio-progestágeno RR 1,60, IC 95% 1 · 52–1 · 69; apenas estrogênio RR 1,17, 1,10 –1 · 26 ) e foi duas vezes maior nos anos 5–14 (estrogênio-progestágeno RR 2 · 08, 2 · 02–2 · 15; apenas estrogênio RR 1 · 33, 1 · 28–1 · 37).
Os riscos da TRM combinando estrogênio e progestágeno durante os anos 5–14 foram maiores com o uso diário do que com o uso intermitente (RR 2 · 30, 2 · 21–2 · 40 vs 1 · 93, 1 · 84–2 · 01; heterogeneidade p <0 0001). As taxas de risco relativo durante os anos 5–14 foram muito maiores para tumores positivos para receptores de estrogênio do que para tumores negativos para receptores de estrogênio, embora tenham sido semelhantes para mulheres que iniciaram TRH nas idades de 40 a 44 anos/ 45 a 49 anos/ 50 a 54 anos e 55 a 59 anos, diminuindo a razão de risco entre aquelas que iniciaram TRH após os 60 anos ou por adiposidade (com pouco risco de TRH somente com estrogênio em mulheres obesas).
Para os autores, esses resultados mostram que em mulheres com peso médio, a terapia hormonal na menopausa a partir dos 50 anos aumenta substancialmente a incidência de câncer de mama, com um caso em cada 50 usuárias de estrogênio + progestagênio diário; um em cada 70 usuárias de estrogênio mais progestágenos em preparações intermitentes e um caso em cada 200 usuárias de TRH somente com estrogênio. “Após cessar a TRH, o risco persiste por mais de 10 anos, em magnitude que depende da duração e do tipo”, concluíram.
A terapia de resposição hormonal tem sido usada principalmente nos países ocidentais desde 1970. O uso aumentou rapidamente na década de 1990, diminuiu pela metade no início dos anos 2000 e estabilizou-se desde 2010, com cerca de 12 milhões de usuárias atuais.
Este estudo recebeu financiamento da Cancer Research UK e está disponível, em acesso aberto: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)31709-X/fulltext
Terapia de exposição hormonal e câncer de mama
Por César Cabello, Professor Associado Livre Docente do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e coordenador da Área de Mastologia do Hospital da Mulher – CAISM. DTG-FCM-UNICAMP
Os dados desta metanálise do Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer recentemente apresentada trazem uma atualização criteriosa e com novos detalhes do que havia sido apresentado há 22 anos com 51 estudos pelo mesmo grupo 1,2. Desta vez foram incluídos na análise 58 estudos, inclusive o “WHI” 3, único ensaio clínico publicado que aborda este tema, bem como o the Million Women Study 4. Entre os estudos prospectivos foi estabelecido 04 controles para cada caso, sendo que que nos retrospectivos esta meta não foi considerada. Casos foram consideras as mulheres que tiveram carcinoma invasivo de mama, e controles as que não tiveram câncer de mama.
Foram avaliadas 108647 mulheres na pós menopausa que desenvolveram câncer de mama na média de idade de 65 anos (DP: 7). Destas, 55.575 (51%) haviam usado Terapia de Reposição Hormonal na fase após a menopausa (TRH).
As inúmeras análises no corpo do artigo, bem como os detalhes do método e análises suplementares nos apêndices, trazem mais robustez às evidências já previamente apresentadas.
Entre os achados, o trabalho sugere que:
1 - a TRH se associa ao aumento de casos de carcinoma invasivo de mama;
2 - a associação conjugada (estrógenos-progesterona) apresentou os riscos mais elevados, apesar de que todas as modalidades de TRH, exceto o uso de estrógenos transvaginais, associaram-se a aumento de risco para câncer de mama;
3 - o uso prolongado, acima de cinco e dez anos, geraram mais risco;
4 - o aumento de risco perdurou por mais de 10 anos após a parada do uso, sendo que o risco é maior quanto maior o tempo de uso, mesmo para as mulheres que pararam a TRH há mais do que 10 anos;
5 - os tumores com expressão de receptores de estrógenos foram os que se associaram ao uso de TRH;
6 - a obesidade associou-se ao maior risco de câncer de mama em não usuárias de TRH. No entanto, o incremento de IMC, bem como o início da TRH após os 60 anos, são fatores que atenuaram o impacto da associação TRH – câncer de mama. Estes dados foram pouco explorados anteriormente, principalmente em análises desta magnitude.
Estabelecendo-se através das análises estatísticas a clara relação “causa e efeito” de TRH e câncer de mama, os autores comentam que estas terapias teriam causado cerca de um milhão de casos de câncer de mama dentre os 20 milhões observados dede 1990.
Para mulheres com peso adequado, 05 anos de TRH combinada (estrógenos e progesterona) iniciada aos 50 anos de idade, aumenta o risco absoluto de 6,3% para 8,3% nos próximos 20 anos (dos 50 anos aos 69 anos). Seria um a caso a mais para cada 50 usuárias.
Além disto, os dados apresentados no apêndice da publicação (páginas 56 e 57) referentes especificamente aos estudos the Million women study4 e o WHI são muito preocupantes. No primeiro, as usuárias de estrógenos-progetágenos por mais do que 5 anos (média de 8 anos), tiveram um aumento de mortalidade por câncer de mama por cerca de 20 anos na razão RR: 1·24, (1·12-1·38), p=0·0005. No segundo estudo, o WHI, o impacto na mortalidade por câncer para as usuárias correntes de TRH conjugada por mais que 05 anos foi na ordem de RR: 1.64 (1.52-1.76).
Vale a pena ler o estudo na íntegra com muita atenção a todo material publicado no artigo principal, bem como nos apêndices.
Está claro que além das muitas informações importantes que a publicação nos apresenta, observamos que o impacto inicial na queda da utilização de TRH no ocidente após a publicação do WHI3, bem como as recomendações de restringir o tempo de uso foram sendo flexibilizadas, levando-se em conta a grande proporção de usuários com mais que 5 ou 10 anos.
Em conclusão, a relação causa e efeito da TRH e câncer de mama é inegável, com dados muito preocupantes de aumento de mortalidade-específica por câncer de mama entre as usuárias de TRH apresentados nos apêndices. Seriam tumores luminais mais agressivos? O rastreamento do câncer de mama entre as usuárias deveria ser revisto? Leiam e Reflitam.
Ouça o podcast com a análise do mastologista Alfredo Barros:
Referências:
1 - Type and timing of menopausal hormone therapy and breast cancer risk: individual participant meta-analysis of the worldwide epidemiological evidence. (2019). The Lancet. doi:10.1016/s0140-6736(19)31709-x
2 - Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer. Breast cancer and hormone replacement therapy: collaborative reanalysis of data from 51 epidemiological studies of 52 705 women with breast cancer and 108 411 women without breast cancer. Lancet 1997; 350:1047–59.
3 - Rossouw JE, Anderson GL, Prentice RL, et al. Writing Group for the Women’s Health Initiative Investigators. Risks and benefits of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women: principal results from the Women’s Health Initiative randomized controlled trial. JAMA 2002; 288: 321–33.
4 - Green J, Reeves G, Floud S et al. Cohort Profile: the Million Women Study. Int J Epi 2018: 1-7; doi: 10.1093/ije/dyy065