Onconews - Risco de segundos tumores e linfoma de células T após terapia com CAR-T

O risco de segundos tumores após terapia com células T expressando receptores quiméricos de antígenos (CAR), especialmente o risco de neoplasias de células T relacionadas à integração do vetor viral, é uma preocupação emergente. Resultados de Hamilton et al. publicados na New England Journal of Medicine (NEJM) destacam a raridade de segundas malignidades, com métodos que servem como referência para a caracterização de tumores após terapia com células CAR-T e para o monitoramento da presença do transgene que codifica o CAR. Martin Bonamino (foto), pesquisador do INCA e da FIOCRUZ, comenta o trabalho.

Apesar da reconhecida eficácia das células CAR-T, ainda existem preocupações com toxicidades, contexto que motivou alerta recente da agência norte-americana Food and Drug Administration em relação aos potenciais riscos desta terapia. Assim, a caracterização genética de linfomas de células T após a terapia com células CAR-T continua essencial para entender o risco de segundos tumores e definir o potencial papel da integração do vetor na transformação maligna.

Neste estudo, Hamilton e colegas revisaram a experiência clínica do Stanford University Medical Center com células CAR-T desde 2016 para avaliar a ocorrência de segundos tumores.

Um total de 724 pacientes que receberam terapias com células T expressando CARs na instituição entre 4 de fevereiro de 2016 e 15 de janeiro de 2024 foram incluídos na análise. Um linfoma letal de células T foi identificado em um paciente que recebeu terapia com axicabtagene ciloleucel para linfoma difuso de grandes células B  e ambos os linfomas foram analisados por múltiplas técnicas.

As análises identificaram que cada linfoma tinha imunofenótipos e perfis genômicos molecularmente distintos, mas ambos foram positivos para o vírus Epstein-Barr e estavam associados à hematopoiese clonal com células carreando mutações nos genes DNMT3A e TET2. Nenhuma evidência de integração retroviral oncogênica foi encontrada.

“Após vigilância para segundo tumor em 724 pacientes que receberam terapia celular em nosso centro, descobrimos que o linfoma de células T foi raro, responsável por apenas um caso. Nenhuma evidência foi encontrada para implicar uma contribuição direta

do vetor retroviral projetado no linfoma de células T índice em termos de DNA, RNA

mensageiro ou proteína nem na investigação de compartimentos anatômicos circulantes, residentes em tecidos e livres de células”, descrevem os autores. “Identificamos que esse linfoma de células T índice é molecularmente distinto do DLBCL original, sem evidência de troca de linhagem ou transdiferenciação”, analisam.

Em síntese, os autores concluem  que esses resultados destacam a raridade de segundos tumores após o tratamento com células CAR-T e ainda fornecem um arcabouço de ensaios moleculares e celulares para tentar definir relações clonais e monitoramento de potenciais integrações dos vetores virais nestes linfomas de células T.

O estudo em contexto
Por Martin Bonamino*

*Pesquisador do INCA e Especialista da Fundação Oswaldo Cruz, onde participa da coordenação da Rede FioCâncer. É bolsista da FAPERJ, membro da câmara técnica da ANVISA para terapias avançadas, do Global Outreach Committee da American Society of Gene & Cell Therapy e do South and Central America Legal and Regulatory Affairs Committee da International Society for Cell and Gene Therapy.

Embora a hipótese de que a integração do transgene que codifica o CAR possa levar ao que costumamos chamar de mutagênese insercional, o trabalho de Hamilton et al. reforça o entendimento de que há linfomas T secundários a outras neoplasias hematológicas e que estas doenças também podem surgir após a terapia CAR-T, mesmo sem o envolvimento do transgene do CAR no clone do linfoma T.

No caso deste artigo, o clone de células T malignas se encontrava presente mesmo antes da infusão de células CAR-T. Como eventos inflamatórios podem ser aceleradores ou mesmo licenciadores para este tipo de transformação, especialmente quando já há hematopoiese clonal ocorrendo no indivíduo, não se pode descartar que reativações virais, o regime de condicionamento no paciente ou mesmo os processos de depleção de células B ou a produção de citocinas inflamatórias associada à ativação das células CAR-T possam ter favorecido a expansão e prevalência do clone de células T do linfoma. Estes aspectos devem ser estudados nos eventos de neoplasias secundárias à terapia CAR-T e em modelos animais.

O foco recente nestas novas neoplasias detectadas em pacientes que receberam tratamento com células CAR-T certamente ajudará a elucidar estes mecanismos. Em todo caso, o perfil de segurança da terapia com células CAR-T ainda é considerado extremamente favorável.

Referência:

N Engl J Med 2024;390:2047-60.
DOI: 10.1056/NEJMoa2401361