A ligação social é um determinante-chave da saúde, mas seu papel nos resultados do fim da vida ainda é pouco compreendido. Estudo longitudinal que considerou dados de 19 países analisou a conexão social nos últimos anos de vida dos idosos, indicando que a solidão pode ser um fator de risco para sintomas de fim de vida. Os resultados estão no Lancet Healthy Longevity e refletem a maior coorte europeia de pessoas com 50 anos ou mais.
Aspectos sociais da vida das pessoas, especialmente a ligação social, têm um impacto grande e independente na saúde. Estudo de meta-análise revelou que a ligação social tem um efeito no risco de mortalidade comparável em magnitude ao de muitos fatores de risco conhecidos. No entanto, existem poucos dados sobre o papel da ligação social na última fase da vida.
Nesta análise, Pivodic et al. utilizaram dados longitudinais de amostras representativas de 18 países europeus e de Israel, a partir do Inquérito sobre Saúde, Envelhecimento e Aposentadoria na Europa (SHARE), o maior estudo de coorte europeu de pessoas com idade≥ 50 anos.
O SHARE foi iniciado em 2004 e desde então recolhe dados de dois em dois anos, através de entrevistas pessoais estruturadas (entrevistas principais). Quando um participante morre, o SHARE realiza uma entrevista final de avaliação com um entrevistado por procuração cobrindo o último ano de vida do participante falecido.
Para avaliar as mudanças na conexão social ao longo do tempo, Pivodic e colegas utilizaram entrevistas de fim de vida do 7º ciclo de entrevistas (ciclo 7, realizado em 2017–18), as mais recentes no momento da análise. Esta série de entrevistas, diferentemente das anteriores, continham perguntas sobre sintomas e utilização de cuidados paliativos. Os autores descrevem que as principais entrevistas do SHARE continham um módulo de redes sociais no ciclo 4 (realizado em 2011–12) e no ciclo 6 (realizado em 2015–16), abordando a conexão social de maneira muito detalhada, capturando componentes estruturais (como o tamanho da rede social, a frequência de contato e a proximidade geográfica dos membros da rede), função e qualidade. Os pesquisadores compararam o conjunto das entrevistas para examinar a conexão social como um preditor de resultados de fim de vida.
A base de análise compreendeu 3.356 indivíduos (a idade média ao morrer foi de 79,7 anos [DP 10,2]), com entrevistas realizadas, em média, 4,6 (1,2) anos (ciclo 4) e 1,1 (0,7) anos (ciclo 6) antes da morte. Do ciclo 4 para o 6º ciclo de entrevistas foram observadas as seguintes mudanças na conexão social: proporção de participantes casados ou em união de fato (de 1406 [60,9%] de 2310 para 1438 [57,1%] de 2518; p<0,0001) , recebendo cuidados pessoais ou ajuda prática (de 781 [37,2%] de 2.099 para 1.334 [53,1%] de 2.512; p<0,0001), solidão (de média 1,4 [DP 0,5] a 1,5 [0,6]; p<0,0001; escala 1–3), satisfação com rede social (de 8,8 [1,67] a 8,7 [1,7]; p=0,037 ; escala de 0 a 10) e proximidade emocional com a rede social (por exemplo, de 1883 [88,8%] de 2.121 a 1.710 [91,3%] de 1.872 participantes que indicaram ser muito próximos ou extremamente próximos de membros de redes sociais ;p<0·0001).
A análise revela que níveis mais elevados de solidão no 6º ciclo de entrevistas previram maior probabilidade de apresentar sintomas no último mês de vida (razão de risco entre sintomas: 1,29 [IC 95% 1,08–1,55] a 1,58 [1,32 –1·89]).
“Neste estudo sobre a ligação social numa amostra representativa de 19 países, descobrimos que, em média, as pessoas mais velhas experimentaram aumento da solidão no final da vida”, destacam os autores, acrescentando que a solidão aumentou significativamente a probabilidades de ocorrência de todos os sintomas medidos (ou seja, dor, falta de ar e ansiedade ou tristeza no último mês de vida).
Esses resultados sublinham a importância de medir experiências subjetivas de ligação social, como a solidão, em estudos sobre o fim da vida.
Em comentário na mesma edição do Lancet Healthy Longevity, Hannah M O'Rourke lembra que há uma década foram feitos apelos urgentes para abordar os danos do isolamento social e da solidão entre idosos que vivem com doença crônica ou num lar de idosos. A urgência deste apelo foi repetida recentemente pelo lançamento de uma comissão da OMS para abordar a solidão como ameaça premente à saúde.
A íntegra do estudo de Pivodic et al. está disponível em acesso aberto.
Referência: Open AccessPublished:March 12, 2024. DOI:https://doi.org/10.1016/S2666-7568(24)00011-4