Onconews - Terapia enzimática pancreática melhora a qualidade de vida dos pacientes e o padrão de cuidados

Estudo que avaliou as práticas de médicos que prescrevem terapia enzimática pancreática (TEP) para câncer de pâncreas irressecável levanta uma preocupação importante, demonstrando que a maioria dos prescritores não tem conhecimento de diretrizes clínicas de melhores práticas para TEP. “Acredito que a integração da TEP nos protocolos de cuidado deve ser uma prioridade. Isso  reflete um compromisso com a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e também com a sustentabilidade dos sistemas de saúde, garantindo que o cuidado seja eficiente, humanizado e baseado nas melhores evidências científicas disponíveis”, diz Felipe Coimbra (foto), diretor de Cirurgia Abdominal do AC Camargo Cancer Center e membro da IHPBA (International Hepato Pancreato Biliary Association), que comenta o trabalho.

Neste estudo, os pesquisadores recrutaram 161 médicos, com 93 e 68 entrevistados de Aotearoa, Nova Zelândia, e Austrália, respectivamente. A maioria dos entrevistados de ambos os países eram cirurgiões gastrointestinais e nutricionistas experientes.

Os resultados foram relatados por Landers  et al.na Pancreatology  e mostram que nutricionistas de Aotearoa, Nova Zelândia, usaram elastase fecal com mais frequência para diagnosticar insuficiência exócrina pancreática do que outros grupos. A análise indica que os médicos tinham tendência a prescrever TEP abaixo do esperado e a aconselhar incorretamente sobre o momento da medicação. A maioria dos médicos de Aotearoa, Nova Zelândia e Austrália não tinha conhecimento de nenhuma diretriz clínica de melhores práticas para TEP (70% e 77%, respectivamente).

Embora a insuficiência exócrina pancreática possa ser tratada efetivamente com TEP, um medicamento bem tolerado com poucos efeitos colaterais, esses resultados indicam que os serviços de cuidados de suporte precisar garantir que os clínicos sejam educados e cientes das diretrizes internacionais recentes sobre a administração de TEP para que os pacientes com câncer pancreático tenham cuidados consistentes e de alta qualidade.

O estudo em contexto

Por Felipe José Fernández Coimbra*

A insuficiência exócrina pancreática (IEP) é uma complicação comum e frequentemente subdiagnosticada em pacientes com câncer pancreático irressecável, causando má absorção de nutrientes, desnutrição importante e piora significativa da qualidade de vida. Apesar de sua alta prevalência em tumores pancreáticos, o uso adequado da terapia enzimática pancreática (TEP) ainda é subótimo em muitos contextos clínicos, como evidenciado por este estudo transversal realizado na Nova Zelândia e na Austrália. Este levantamento demonstrou que as taxas de prescrição de TEP variam amplamente entre os serviços de saúde, refletindo lacunas no conhecimento médico, barreiras no acesso ao tratamento e subvalorização de seu impacto no cuidado global.

Os resultados do estudo indicam que a utilização de TEP pode transformar o manejo desses pacientes. Ao corrigir a má absorção, a TEP melhora a nutrição, reduz sintomas gastrointestinais debilitantes e aumenta a adesão a outros tratamentos oncológicos. Isso, por sua vez, contribui para uma melhor qualidade de vida e até mesmo para a redução de complicações associadas à desnutrição, como internações frequentes. No entanto, fatores como falta de conscientização entre médicos e limitações de acesso a medicamentos foram destacados como barreiras significativas, comprometendo o potencial desse tratamento de baixo custo e alta eficácia.

Para superar esses desafios, é imprescindível a implementação de protocolos padronizados que garantam a prescrição de TEP para todos os pacientes com câncer pancreático irressecável e sinais de IEP. Vale ressaltar aqui também a importância para os pacientes em tratamento potencialmente curativo, como aqueles que estão se preparando para uma cirurgia do pâncreas. Além disso, investir em educação médica continuada, com foco na identificação precoce e manejo adequado da insuficiência exócrina, é fundamental para capacitar equipes multidisciplinares e melhorar o cuidado oferecido. A TEP, embora muitas vezes negligenciada, deve ser reconhecida como parte essencial do tratamento oncológico, especialmente em um cenário em que cada detalhe faz diferença no curso da doença.

Do ponto de vista da saúde pública e privada, ampliar o acesso à TEP pode gerar benefícios significativos, incluindo a redução de custos relacionados a complicações evitáveis e hospitalizações desnecessárias.  Acredito que a integração da TEP nos protocolos de cuidado deve ser uma prioridade. Isso  reflete um compromisso com a melhoria da qualidade de vida dos pacientes, e também com a sustentabilidade dos sistemas de saúde, garantindo que o cuidado seja eficiente, humanizado e baseado nas melhores evidências científicas disponíveis.

*Cirurgião Geral e Oncológico, Líder do Centro de Referência em Tumores do Aparelho Digestivo Alto do AC Camargo Cancer Center e membro da IHPBA  - International Hepato Pancreato Biliary Association.

Referência:

https://doi.org/10.1016/j.pan.2024.10.008