Onconews - Testes de detecção pan câncer: novo paradigma à espera de evidências

O aumento dos chamados testes de detecção precoce de múltiplos cânceres pode representar um novo paradigma no rastreamento de vários tipos de câncer, como descreve Hilary A. Hobbins (foto), da IARC, em artigo na New England Journal of Medicine (NEJM). No entanto, a análise da especialista pede cautela, com exemplos concretos de que a nova era prometida ainda está longe de mostrar evidências de benefício.

Os chamados testes de detecção precoce multicâncer (MCED, de  multicancer early detection) medem biomarcadores baseados no sangue, incluindo mutações, metilação e fragmentação de DNA livre de células. “Até agora, os estudos publicados na fase mais avançada da pesquisa foram grandes ensaios de intervenção não randomizados”, diz Hobbins.

A autora, do grupo de epidemiologia genômica da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês),  descreve que um dos estudos desenhados para mostrar evidências de alto valor – o estudo clínico inglês NHS - Galleri - ainda não publicou os resultados finais. “Em 2021 e 2022, o estudo National Health Service (NHS)–Galleri na Inglaterra inscreveu mais de 140.000 participantes com idades entre 50 e 77 anos em um ensaio clínico randomizado e controlado para avaliar a eficácia de um teste MCED desenvolvido pela GRAIL”, descreve Hobbins. Ela explica que o ensaio não foi projetado para substituir a triagem padrão, mas para ser conduzido junto com o rastreamento, com o objetivo de "demonstrar uma redução estatisticamente significativa na taxa de incidência de cânceres em estágio III e IV diagnosticados no braço de intervenção versus controle".

Mas o que deveria sustentar a mais robusta base de evidências começa a despertar preocupação sobre os testes de detecção precoce multicâncer. “O NHS England planejou inicialmente lançar o teste para 1 milhão de pessoas em 2024 com base nos resultados do primeiro ano do ensaio, mas recentemente decidiu não prosseguir, citando que os primeiros resultados não foram suficientemente convincentes”, prossegue Hobbins.

A análise publicada na NEJM levanta questionamentos sobre o desenho do ensaio clínico inglês e sua real capacidade de demonstrar evidências de alto valor. A publicação descreve, ainda, iniciativa do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, que planeja iniciar ainda este ano a fase piloto de um grande ensaio clínico randomizado para avaliar vários testes MCED, tendo como principal endpoint a mortalidade câncer-específica.

“No futuro, acredito que os testes MCED não devem ser implementados sem evidências de que tais testes podem reduzir a mortalidade relacionada ao câncer — de preferência evidências derivadas de ensaios nos quais entidades comerciais não influenciem nas decisões finais sobre o desenho e condução do estudo e não estejam envolvidas no gerenciamento ou análise de dados”, destaca.

Referência:

DOI: 10.1056/NEJMp2400297