Onconews - Testes genéticos e risco de câncer na população masculina

Oncologistas, clínicos gerais e clínicos de atenção primária devem estar vigilantes sobre a oferta de testes genéticos apropriados para homens. Metade de todos os portadores de variantes hereditárias de predisposição ao câncer em BRCA1 e BRCA2 são homens, mas as implicações para sua saúde são pouco reconhecidas em comparação com indivíduos do sexo feminino, destaca artigo de Cheng et al. no JAMA Oncology. O oncologista e oncogeneticista Bernardo Garicochea (foto) comenta o trabalho.

Variantes da linha germinativa em BRCA1 e BRCA2 (também conhecidas como variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas, aqui referidas como VPs BRCA1/2) são bem conhecidas por aumentar significativamente o risco de câncer de mama e ovário em mulheres. Nesta análise, os autores lembram que, embora os riscos de VPs BRCA1/2 sejam menos caracterizados para portadores do sexo masculino, há evidências convincentes de aumento do risco de câncer de próstata, câncer de pâncreas e câncer de mama em homens. Além disso, houve rápida expansão de terapias aprovadas pela Food and Drug Administration dos EUA, incluindo inibidores de poli ADP ribose polimerase (PARP) para câncer de mama, pâncreas e próstata associados a VPs BRCA1/2.

Nesta revisão, Cheng e colegas resumiram dados sobre risco de câncer, opções de terapias-alvo e diretrizes para detecção precoce do câncer, assim como destacaram áreas emergentes  na pesquisa e oportunidades de ensaios clínicos para homens com VP BRCA1/2. “Esses desenvolvimentos, juntamente com a relevância contínua do risco de câncer familiar e opções reprodutivas, informaram mudanças nas recomendações de diretrizes para testes genéticos e fortaleceram o aumento de testes genéticos para homens”, analisam.

Os resultados mostram que, apesar da crescente capacidade de ação clínica para portadores masculinos de VPs BRCA1/2, uma quantidade muito menor de homens do que mulheres passam por testes genéticos de câncer. “Identificar mais portadores masculinos de VPs BRCA1/2 maximizará as oportunidades de detecção precoce do câncer, gerenciamento de risco e tratamento para homens, assim como deve facilitar oportunidades de redução de risco e prevenção em seus familiares, diminuindo assim a carga  do câncer hereditário”, concluem os autores.

O estudo em contexto
Por Bernardo Garicochea, oncologista e oncogeneticista

Os genes BRCA 1 e 2 foram codificados há cerca de 30 anos. O nome se refere nitidamente ao tumor associado ao mal funcionamento de ambos: câncer de mama. Foram necessários mais alguns anos para que estudos com população maiores de pacientes com VP em BRCA começassem a revelar o tamanho do iceberg por baixo daquele achado genético, considerado raríssimo no final do século passado.

Um aumento muito importante de risco de câncer ocorria para tumores de ovário, pâncreas e próstata. Na primeira década dos anos 2000, o foco seguia nos tumores ginecológicos. Afinal, o efeito de cirurgias preventivas de mama e ovário era incontestável. O teste também mudava a escolha do procedimento cirúrgico e opções sobre reposição hormonal e fertilidade em portadoras sem câncer. Foi só em meados dos anos 2010 que o impacto real em câncer de próstata e pâncreas passou a ser apreciado com mais atenção. Os pacientes com câncer de próstata e VP em BRCA tinham doença mais precoce e muito mais agressiva. O típico grupo de pacientes que se beneficiaria enormemente de rastreamento precoce.

Da mesma forma, no início da década de 2020, os estudos com exames de rastreamento em indivíduos de alto risco para câncer de pâncreas conseguiram aumentar a detecção precoce e a taxa de cura de forma nunca vista para a doença. Além disso, o aparecimento de drogas que funcionam excepcionalmente bem em portadores de alterações nos genes BRCA1 e 2 foram vastamente documentados em uma meia dúzia de estudos clínicos randomizados, abrindo oportunidade para a medicina de precisão em pacientes com câncer de próstata e pâncreas avançado.

Está na hora de deixarmos de ver mutações com perda de função em BRCA como uma questão médica puramente feminina. Milhares de vidas de homens podem ser salvas anualmente com testagem germinativa em pacientes com câncer de próstata, com história de câncer de próstata ou com história familiar com mulheres ( ou homens) com câncer de mama/ovário.

Referência:

Cheng HH, Shevach JW, Castro E, et al. BRCA1, BRCA2, and Associated Cancer Risks and Management for Male Patients: A Review. JAMA Oncol. Published online July 25, 2024. doi:10.1001/jamaoncol.2024.2185