Onconews - Varfarina e incidência de câncer

PILAR OFICIAL NET OKA varfarina é um protetor para o câncer? Estudo publicado no JAMA Internal Medicine1 mostra que o anticoagulante mais usado no mundo reduziu a incidência de câncer em uma população selecionada. O estudo de coorte usou o Registro Nacional da Noruega e concluiu que a taxa de incidência de câncer ajustada por idade e sexo foi significativamente menor entre os usuários de varfarina versus não-usuários. “Este é um assunto controverso. Apesar da inter-relação entre trombose e câncer, os reais mecanismos ainda precisam ser melhor elucidados para que possam ser explorados tanto na prevenção como no tratamento desses pacientes”, afirma Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Coordenadora da Oncologia Clínica do ICESP.

A coorte compreendeu todas as pessoas (N = 1256725) nascidas entre 1º de janeiro de 1924 e 31 de dezembro de 1954 que residiam na Noruega a partir de 1º de janeiro de 2006 até 31 de dezembro de 2012. A coorte foi dividida em 2 grupos - usuários de varfarina e não usuários. Como usuários de varfarina foram considerados aqueles com pelo menos 6 meses de prescrição e pelo menos 2 anos desde a primeira receita até qualquer diagnóstico de câncer.

Resultados

Da população da coorte, 607350 (48,3%) eram homens e 649375 (51,7%) mulheres, 132687 (10,6%) tinham câncer, 92942 (7,4%) foram classificados como usuários de varfarina e 1163783 (92,6%) como não usuários.

Os usuários de varfarina eram mais velhos, com idade média de 70,2 anos, predominantemente homens (57 370 [61,7%]) em comparação com não-usuários, que tinham idade média de 63,9 anos, principalmente mulheres (613 803 [52,7%]). Entre os usuários de varfarina houve uma taxa de incidência (IRR) significativamente menor de câncer em todos os sítios (IRR, 0,84; IC 95%, 0,82-0,86) e em tumores prevalentes (pulmão 0,80 [IC 95%, 0,75-0,86], próstata, 0,69 [IC 95%, 0,65-0,72] e mama, 0,90 [IC 95%, 0,82-1,00]). Não houve efeito significativo observado no câncer de cólon (IRR, 0,99; IC 95%, 0,93-1,06). Em uma análise de subgrupos de pacientes com fibrilação atrial ou flutter atrial, a IRR foi menor em todos os tipos de câncer (IRR, 0,62; IC 95%, 0,59-0,65) e em tumores prevalentes (pulmão, 0,39 [IC 95%, 0,33-0,46 ], próstata, 0,60 [IC 95%, 0,55-0,66], mama, 0,72 [IC 95%, 0,59-0,87] e cólon, 0,71 [IC 95%, 0,63-0,81]).

Em conclusão, o uso de varfarina pode ter um amplo potencial anticancerígeno em uma grande coorte populacional de pessoas com idade superior a 50 anos. Esta descoberta pode ter implicações importantes para a seleção de medicamentos para pacientes que necessitem de anticoagulantes.

“Este estudo é bem conduzido, um estudo populacional de peso em um país que tem grande tradição na análise desses dados e deve levantar as hipóteses para o melhor esclarecimento da questão. Fatores confundidores são frequentes em estudos epidemiológicos, como a própria indicação do tratamento, uma vez que tromboses ocorrem em maior frequência em pacientes com câncer”, avalia a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Diretora Multi Especialidades e Coordenadora da Oncologia Clínica do ICESP e médica do Hospital Sírio Libanês.

A varfarina sódica é o anticoagulante mais utilizado em todo o mundo e é prescrito para 5% a 10% da população adulta em países ocidentais para uma variedade de indicações, incluindo fibrilação atrial e tromboembolismo venoso.

Os autores lembram que estudos epidemiológicos anteriores diferem quanto à associação entre varfarina e câncer e sugerem que mais estudos são necessários para elucidar como o antagonismo da vitamina K afeta o desenvolvimento do câncer.

“O trabalho traz mais uma vez a discussão de como a cascata de coagulação e plaquetas, modulada ou não por fatores que interferem nesta cascata, podem influenciar no surgimento de casos novos de câncer ou em sua progressão. Estudos in vitro sugerem que a cascata de coagulação e as plaquetas podem estas envolvidas nesse processo e que anticoagulantes podem, ao menos teoricamente, melhorar o prognóstico de pacientes com câncer2,3”, observa Pilar.

A especialista acrescenta que o Anticoagulation trial4 apontou para uma redução de risco de novos cânceres em pacientes que fizeram uso de anticoagulante oral por 6 meses, quando comparados aos que apenas receberam 6 semanas. Outro estudo, pubicado por Tagalakis et. al em 2007 apontou para uma redução de câncer de próstata em pacientes que utilizaram varfarina5,6. “Entretanto, estudo publicado em 2013 não confirmou essa redução da mortalidade quando foram corrigidos os fatores confundidores7. Apesar da inter-relação entre trombose e câncer, os reais mecanismos ainda precisam ser melhor elucidados, para que possam ser explorados tanto na prevenção como no tratamento desses pacientes”, conclui.

Referências:

1 - Haaland GS, Falk RS, Straume O, Lorens JB. Association of Warfarin Use With Lower Overall Cancer Incidence Among Patients Older Than 50 Years. JAMA Intern Med. Published online November 06, 2017. doi:10.1001/jamainternmed.2017.5512

2 - Maat B. Selective macrophage inhibition abolishes warfarin-incuced reduction of metastasis. Br J Cancer 1980;41:313-6

3 - Mousa SA. Anticoagulants in thrombosis and cancer: the missing link. Expert Rev Anticancer Ther 2002;2:226-33

4 - Schulman S, Lindimarker P. Incidence of cancer after prophylaxis with warfarin against recurrent venous thromboembolism. Duration of Anticoagulation Trial. N Engl J Med 2000 29;342:1953-8

5 - Tagalkis V et al. Use of warfarin and risk of urogenital cancer: a population-based, nested case-control study. Lancet Oncol 2007;8:395-402

6 - Tagalakis V et al. Risk or prostate cáncer death in long-term usesrs of warfatin: a population-based case-control study. Cancer Causes Control 2013;24:1079-85

7 - Kinnuten PTT et al. Prostate cancer-specific survival among warfarin users in the Finnish Randomizede Study of Screening for Prostate Cancer. BMC Cancer 2017; 17:585