Bottom Line
Estratégias de educação em saúde devem incentivar programas anti-tabaco e de controle do etilismo, assim como a imunização contra a infecção pelo HPV. Quimioprevenção e exames bucais de rotina em indivíduos de alto risco também devem integrar iniciativas de prevenção e rastreamento do câncer de cabeça e pescoço.
Thiago C Chulam é médico do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, AC Camargo Cancer Center, São Paulo
Por André Ywata de Carvalho1, Thiago C Chulam1 e Luiz P Kowalski1
1. Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, AC Camargo Cancer Center, São Paulo
Resumo
A cada ano são diagnosticados globalmente mais de 600 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço, a maioria em boca, faringe ou laringe, assim como aumenta significativamente a incidência de câncer de tireoide. No entanto, a maior parte dos casos de câncer de cabeça e pescoço ainda é diagnosticada tardiamente, quando a doença se apresenta em estádio avançado, com grande impacto social e econômico. Para reverter esse cenário, é preciso ampliar e fortalecer estratégias de educação em saúde. Neste artigo, os autores apresentam a epidemiologia e fatores de risco associados aos tumores de cabeça e pescoço, contexto em que discutem estratégias de prevenção (primária, secundária e terciária) e rastreamento. Ao mesmo tempo, ilustram diferentes iniciativas, como o Oral Cancer Case Finding Program, de Cuba, que mostram a eficácia de programas de rastreamento na população de risco e seu potencial de aumentar o número de diagnósticos de câncer de boca em fase inicial, reduzindo a mortalidade pela doença. O tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e a infecção pelo papilomavírus humano (HPV) persistem como principais fatores de risco.
Palavras-chave: ‘câncer de cabeça e pescoço’, prevenção, rastreamento, screening,’fatores de risco’
Epidemiologia e fatores de risco para o câncer de cabeça e pescoço
O câncer é atualmente um problema de saúde no mundo inteiro. Considerando-se todas as idades, é a segunda maior causa de morte na população, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Cerca de 2/3 das mortes por câncer ocorrem em países menos desenvolvidos, como o Brasil. A menor chance de sobrevivência ao câncer, observada nesses países está relacionada principalmente à combinação de desconhecimento, diagnóstico tardio e acesso limitado ao tratamento tempestivo e padronizado (Jemal et al., 2011).
Em todo o mundo, são diagnosticados a cada ano mais de 600 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço, a maioria localizada em boca, faringe ou laringe. Nos últimos anos tem aumentado significativamente a incidência de câncer de tireoide. Os cânceres de vias aerodigestivas superiores são mais comuns em homens, na proporção de 2-4 homens para uma mulher (Chaturvedi et al., 2013; Jemal et al., 2011; Ferlay et al, 2011). Infelizmente, a maioria dos casos ainda é diagnosticada tardiamente, quando a doença se apresenta em estádio avançado (Tanriover et al., 2014), de cura mais difícil, e demanda tratamento em centros de alta complexidade. É grande o impacto social e econômico, com custo elevado (Wineland & Stack Jr., 2008), afastamento profissional prolongado e menor qualidade de vida imposta ao paciente e seus familiares. O atraso no diagnóstico pode ser atribuído à evolução pouco sintomática nos estádios iniciais da doença, à falta de conhecimento dos pacientes sobre o câncer, às dificuldades de acesso ao sistema de saúde e ao despreparo dos profissionais de saúde (Kowalski et al., 1994; LeHew, Epstein, Koerber, & Kaste, 2009).
No Brasil, excluindo-se as neoplasias malignas de pele não melanoma (180.000 casos), são previstos quase 420.000 casos novos de câncer no ano de 2018. As localizações mais comuns, na cabeça e pescoço, são: cavidade oral, com 11.200 casos novos (5,2% do total de neoplasias malignas diagnosticadas e 5º sítio mais frequentemente envolvido nos homens); laringe, responsável por 6.390 casos novos (3,0% do total e 8º lugar nos homens); e glândula tireoide, com 8.040 casos novos (4% do total e 5º sítio mais comumente acometido nas mulheres) (Instituto Nacional do Câncer, 2018).
Os principais fatores de risco associados ao câncer de cabeça e pescoço são o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e a infecção pelo papilomavírus humano (HPV), particularmente em orofaringe (R. Sankaranarayanan, Masuyer, Swaminathan, Ferlay, & Whelan, 1998). Outros fatores que podem contribuir com o surgimento de neoplasias malignas do trato aerodigestivo superior são: infecção pelos vírus Epstein-Barr (EBV) (nasofaringe) e da imunodeficiência humana (HIV), imunossupressão pós-transplante de órgãos, exposição ocupacional a agentes cancerígenos, anemia de Fanconi, má higiene oral, doença periodontal, próteses dentárias mal ajustadas, enxágue oral à base de álcool, consumo de chimarrão e exposição doméstica à fumaça produzida por fogões a lenha e dieta pobre em verduras e frutas (Stenson KM, Brockstein BE, n.d.). A exposição crônica do trato aerodigestivo superior a esses fatores cancerígenos pode resultar tanto em lesões pré-malignas como no câncer invasor.
A eventual associação de câncer de cabeça e pescoço com história familiar e raridade de diagnósticos na infância e adolescência sugere que a prevalência relativa de exposição aos fatores de risco ambientais é que determina as variações na distribuição do câncer de cabeça e pescoço observadas nas diferentes regiões do mundo. Também é evidente que somente uma fração dos indivíduos expostos aos fatores de risco desenvolve a doença, sugerindo a existência de diferenças individuais na suscetibilidade aos agentes ambientais de risco. Por disso, nos últimos anos a história familiar e a predisposição genética têm merecido especial interesse. Estima-se que cerca de 5 a 10% das neoplasias ocorrem por herança autossômica dominante envolvendo genes de alta penetrância (Nagy, Sweet, & Eng, 2004). Diferenças na suscetibilidade podem ser identificadas em várias etapas da carcinogênese, como a capacidade de metabolizar carcinógenos (P450, NATs, GSTs), a capacidade de reparação de DNA, a ativação somática de proto-oncogenes (ras, myc, c-erb-B-2) e a inativação somática ou germinativa de genes supressores (TP53, Rb), ou ainda fenômenos epigenéticos, como a metilação (Hung et al., 2005).
Prevenção
“Melhor prevenir do que remediar”. Historicamente, os profissionais de saúde se concentraram na busca da cura das diversas enfermidades. Porém, a maioria das pessoas certamente preferiria nunca contrair uma doença evitável, ou que qualquer problema de saúde fosse detectado precocemente e causasse sofrimento nulo ou mínimo. Ao longo do tempo, o foco vem se modificando - do tratamento de enfermidades em pessoas sintomáticas (medicina curativa) para a antecipação de doenças possíveis em indivíduos saudáveis (medicina preventiva). Neste contexto, a prevenção envolve ações sobre pessoas sem queixas específicas com o intuito de identificar e modificar os fatores de risco que levam ao aparecimento de doenças ou ainda detectar enfermidades em sua fase inicial, quando o tratamento tem maiores chances de sucesso (Fletcher SW, Fletcher RH, Elmore JG, n.d.).
Descrevem-se três níveis de prevenção:
A prevenção primária envolve ações que visam remover causas e fatores de risco de um problema de saúde antes do seu desenvolvimento. São exemplos de prevenção primária as imunizações contra doenças infecciosas da infância, incluindo a vacina contra o HPV; as mudanças comportamentais, como evitar o início do hábito ou a cessação do tabagismo e etilismo (na prevenção de doenças cardiovasculares e câncer do trato aerodigestivo superior) e até mesmo cirurgias profiláticas, como a tireoidectomia para prevenir o câncer medular de tireoide em portadores de mutações genéticas do gene RET.
A prevenção secundária é realizada para detectar um problema de saúde em uma lesão precursora ou em fase inicial, assintomática, facilitando o diagnóstico e o tratamento definitivos, e assim reduzindo os efeitos de longo prazo. Cita-se, como exemplo, o rastreamento do câncer de boca através do exame visual da cavidade oral em indivíduos tabagistas e/ou etilistas. Os exames de rastreamento não devem ser aplicados a todas as pessoas, mas sim aos grupos de maior risco, pois deste modo os benefícios se sobrepõem aos danos.
A prevenção terciária compreende atividades clínicas implementadas para impedir ou minimizar as complicações relacionadas a uma enfermidade já presente. Em oncologia, pode-se citar como exemplo de prevenção terciária o seguimento regular pós-tratamento, com os claros objetivos de detectar e manejar precocemente as complicações e sequelas terapêuticas, as recidivas e os segundos tumores primários.
As principais medidas que podem prevenir o câncer de cabeça e pescoço são:
Abstenção ao tabagismo;
Consumo moderado de bebidas alcoólicas;
Imunização e proteção contra a infecção pelo HPV;
Adotar uma dieta saudável, rica em frutas e verduras;
Evitar o excesso de exposição ao sol (tumores de lábio);
Quimioprevenção e rastreamento do câncer de cavidade oral;
Conhecimento de outros fatores de risco.
Abstenção ao tabagismo
O tabagismo está associado a uma redução de 13 anos na expectativa média de vida e cerca de metade dos fumantes morre por doença relacionada ao tabaco (Centers for Disease Control and Prevention, 2002; Doll, Peto, Boreham, & Sutherland, 2004). Além disso, o tabagismo é a principal causa evitável de câncer e estima-se que seja responsável por 21% de todas as mortes por câncer no mundo (Brawley, 2011).
A fumaça do cigarro, charutos e cachimbos contém inúmeras substâncias carcinogênicas, com propriedades irritativas e inflamatórias, e que interferem nas barreiras naturais de proteção do organismo humano. O fumo aumenta o risco de desenvolver diversos cânceres, não só na cabeça e pescoço, principalmente de cavidade oral, cavidade nasal, seios paranasais, faringe, laringe e esôfago (Wyss et al., 2013), mas também em pulmão, pâncreas, fígado, estômago, colo uterino, rim, intestino grosso, bexiga, mama e próstata.
Fumantes têm um risco 5 a 25 vezes maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço em comparação aos não fumantes (Blot et al., 1988; Spitz, 1994; Wyss et al., 2013). Além disso, a idade de início (<18 anos), a quantidade de tabaco utilizada (>1 maço/dia) e a duração do tabagismo (>35 anos) são fatores que aumentam o risco, enquanto a cessação do tabagismo se associa à diminuição gradativa do risco de desenvolver câncer de cabeça e pescoço (Andre, Schraub, Mercier, & Bontemps, 1995; Lewin et al., 1998). Parar de fumar tabaco reduz o risco de câncer de cabeça e pescoço. Após 1 a 4 anos, o risco é reduzido em 30% e, após 20 anos, o risco de câncer se equipara ao dos que nunca fumaram (Marron et al., 2010). Além disso, a abstenção ao tabagismo traz incontestáveis benefícios à saúde, não só por prevenir o câncer, mas também por reduzir significativamente o risco de morte por doenças cardiovasculares.
A exposição à fumação do cigarro no ambiente familiar ou profissional (fumo passivo) também pode ser um fator de risco (Tan, Adelstein, Droughton, Van Kirk, & Lavertu, 1997; Troy et al., 2013; Z. F. Zhang et al., 2000). A associação do uso de maconha com o câncer de cabeça e pescoço é controversa (Aldington et al., 2008; Firth, 1997; Hashibe et al., 2006; Marks et al., 2014; Z. F. Zhang et al., 1999).
Medidas de controle do tabagismo incluem difusão de informações científicas entre profissionais da saúde, professores, legisladores e autoridades sanitárias; promoção de ações de educação comunitária; proteção dos não fumantes por meio da restrição do ato de fumar em ambientes fechados; apoio às associações e programas de combate ao fumo; aconselhamento dos não fumantes a não iniciar o tabagismo; e encorajamento dos fumantes a parar de fumar.
Consumo moderado de bebidas alcoólicas
O consumo excessivo de álcool aumenta tanto o risco de desenvolver tumores malignos, principalmente em cavidade oral, orofaringe, hipofaringe, laringe e esôfago (Schütze et al., 2011), como a mortalidade associada ao câncer (Jin et al., 2013). Estima-se que 5,5% do total de casos de câncer no mundo sejam relacionados ao consumo de álcool (Praud et al., 2016).
O álcool promove o câncer através de vários mecanismos: suas propriedades de solvente permitem que outros carcinógenos, como os presentes na fumaça do cigarro, penetrem facilmente nas membranas celulares; atua como irritante, causando aumento da proliferação celular; inibe a metilação do DNA; aumenta os níveis de estrogênio; interfere no metabolismo do ácido fólico; e produz metabólitos tóxicos cancerígenos, como o acetaldeído (Seitz & Stickel, 2007).
O consumo de álcool aumenta de forma independente o risco de câncer nas vias aerodigestivas superiores (Blot et al., 1988; De Stefani, Boffetta, Oreggia, Fierro, & Mendilaharsu, 1998; Hashibe et al., 2007; Kato & Nomura, 1994; Lewin et al., 1998). O risco é dose-dependente e a ingestão de álcool e tabagismo parece ter um efeito interativo e multiplicativo no risco de câncer de cabeça e pescoço (Andre et al., 1995; Blot et al., 1988; Hashibe et al., 2007; Kato & Nomura, 1994; Lewin et al., 1998; Murata, Takayama, Choi, & Pak, 1996; Nishimoto et al., 2002a; Pelucchi, Gallus, Garavello, Bosetti, & La Vecchia, 2008).
O consumo moderado de álcool (até uma dose diária) pode ter efeitos cardiovasculares benéficos, porém deve ser sempre considerado um discreto aumento no risco de câncer de orofaringe e esôfago (Bagnardi et al., 2013).
Imunização e proteção contra a infecção pelo HPV
O papilomavírus humano (HPV) é um vírus sexualmente transmissível que é associado ao condiloma acuminado, lesões intraepiteliais escamosas e carcinoma de células escamosas anogenitais e de cabeça e pescoço (principalmente na base da língua e lojas amigdalianas) (Haddad RI, Brockstein BE, Brizel DM, Fried MP, n.d.). Estima-se que atualmente até 70% dos cânceres de orofaringe são associados ao HPV (O’Sullivan et al., 2016). Muitos destes pacientes não apresentam os fatores de risco tradicionais associados ao câncer de cabeça e pescoço, como tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas. O subtipo 16 do HPV é o agente causador na maioria destes pacientes (Vokes, Agrawal, & Seiwert, 2015), seguido pelos outros subtipos de alto risco 18, 31 e 33.
Estudos epidemiológicos demonstram redução na incidência de cânceres de laringe, hipofaringe e cavidade oral associada ao controle do tabagismo (Sturgis & Ang, 2011). Porém, a incidência do câncer de orofaringe inicialmente manteve-se constante e, em seguida, começou a subir (Simard, Torre, & Jemal, 2014; Vokes et al., 2015), o que pode estar relacionado à infecção pelo HPV.
A infecção oral pelo HPV é detectável na maioria dos pacientes com câncer de orofaringe HPV-associado. Na população geral, a prevalência do DNA do vírus em células esfoliadas da cavidade oral é de 6,9%, sendo 3 vezes maior nos homens (10,1%) que nas mulheres (3,6%) (Gillison et al., 2012). O papel da infecção por HPV como causador de neoplasias em outros sítios da cabeça e pescoço (como boca e laringe) é menos clara.
Os perfis moleculares distintos entre os cânceres HPV-positivos e HPV-negativos sugerem fortemente que sejam doenças diferentes. Nos carcinomas de células escamosas HPV-negativos típicos, as mutações do gene TP53 são muito frequentes, juntamente com a diminuição dos níveis de p16 e aumento dos níveis de pRb, em contraste com os tumores HPV-positivos, que estão associados a TP53 do tipo selvagem, e níveis elevados de p16 e diminuição de pRb.
Além disso, o câncer orofaríngeo associado ao HPV tem importantes diferenças em suas características clínico-patológicas em comparação com câncer de orofaringe HPV-negativo. O câncer de orofaringe associado ao HPV tipicamente se apresenta em pacientes mais jovens, sem relato de exposição ao tabaco e/ou álcool, tende a se apresentar com lesões primárias menores (T1-2) e metástases linfonodais mais frequentes (N2-3) (Chaturvedi et al., 2011; Gillison et al., 2008; Näsman et al., 2009; O’Sullivan et al., 2016), e os segundos tumores primários são menos comuns (Huang et al., 2012). Apesar do envolvimento linfonodal frequente, pacientes com estes tumores apresentam um melhor prognóstico quando comparados aos casos de cânceres HPV-negativos (Nguyen-Tan et al., 2014; Posner et al., 2011; Rischin et al., 2010), devido ao perfil favorável dos pacientes (mais jovens e não expostos ao tabaco e álcool) e a melhor resposta ao tratamento.
Apesar das particularidades no prognóstico, atualmente o manejo do câncer de orofaringe associado ao HPV segue a mesma abordagem dos tumores HPV-negativos. Embora os testes de positividade para HPV (estudo imunohistoquímico para p16 ou detecção do DNA viral por PCR / hibridização in situ) forneçam valiosa informação prognóstica, não existem dados suficientes para alterar (de-escalonar) a terapia baseada no status HPV (Vokes et al., 2015).
Desde 2014, o Ministério da Saúde vem imunizando contra o HPV meninas de 9 a 13 anos de idade e, recentemente (2017), meninos de 11 a 15 anos incompletos. A vacina aplicada no Brasil é a quadrivalente, que confere proteção contra os subtipos 6, 11, 16 e 18 do vírus, responsáveis pela maioria dos casos de verrugas genitais e câncer do colo uterino. É administrada em 3 doses, por via intramuscular, com intervalo de 6 meses e 5 anos após a primeira dose.
A vacinação contra o HPV tem sido associada à redução da prevalência de infecção oral pelos subtipos 16 e 18 (Herrero et al., 2013). Porém, diferentemente do que ocorre com o câncer anogenital, ainda não há dados robustos que comprovem o potencial da vacina em prevenir o câncer de orofaringe HPV-relacionado (Guo, Eisele, & Fakhry, 2016).
Adotar uma dieta saudável
Diversos estudos têm demonstrado efeito protetor contra o câncer do trato aerodigestivo superior associado ao consumo regular de frutas e legumes (Boeing et al., 2006; Freedman et al., 2008; Leoncini et al., 2015; Maasland, Van Den Brandt, Kremer, Goldbohm, & Schouten, 2015).
Estima-se que a associação entre combate ao tabagismo, consumo moderado de álcool e dieta rica em frutas e vegetais pode prevenir a maioria dos cânceres de cavidade oral (Sankaranarayanan R, Ramadas K, Amarasinghe H, Subramanian S, 2015).
Além disso, o maior consumo de até cinco porções de frutas e hortaliças está associado não apenas à redução no risco de câncer, mas princialmente à redução da mortalidade por doenças cardiovasculares (X. Wang et al., 2014).
Evitar a exposição solar excessiva (câncer de lábio)
No Brasil, são previstos para o ano de 2018 cerca de 170.000 casos novos de câncer de pele não melanoma e 6.260 casos de melanoma (Instituto Nacional do Câncer, 2018). A maior parte desses tumores ocorre na pele da face. A principal causa de câncer de pele é a exposição excessiva à radiação solar por tempo prolongado ou exposições intensas (com formação de bolhas), principalmente durante a infância e adolescência (Whiteman, Whiteman, & Green, 2001). Indivíduos de pele clara e com antecedente familiar de neoplasia cutânea são mais suscetíveis a desenvolver a doença. A radiação ultravioleta provoca mutações genéticas e interfere com o sistema imunológico cutâneo, o que limita a capacidade do corpo em rejeitar as células anormais.
O câncer de lábio é mais frequente nos homens e o principal fator de risco é a exposição excessiva à radiação solar, além do tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas e irritações crônicas. É altamente incidente na Austrália, onde representa metade dos casos de câncer de boca (S. Moore, Johnson, Pierce, & Wilson, 1999). Estudo epidemiológico realizado com informações do Western Australian Cancer Registry (Registro de Câncer Australiano) de 1982 a 2006 mostrou a ocorrência de um total de 2.152 casos novos e 31 óbitos por câncer de lábio (excelente prognóstico), com 81% dos casos ocorrendo no lábio inferior (Abreu, Kruger, & Tennant, 2009). Os habitantes da área rural têm maior incidência quando comparados aos das regiões metropolitanas. A razão homem:mulher é de 3:1 (S. R. Moore, Allister, Roder, Pierce, & Wilson, 2001). A maioria (95%) dos casos é representada por carcinomas espinocelulares (Veness, 2001).
A queilite actínica é uma alteraçäo inflamatória dos lábios causada pela exposiçäo crônica aos raios ultravioleta do sol e que ocorre mais comumente em indivíduos com mais de 50 anos de idade, de pele clara e que trabalham ao ar livre. Clinicamente, apresenta-se como área de atrofia, descamação e aspereza da mucosa do lábio inferior, podendo evoluir para uma ferida, que não cicatriza. A queilite actínica é a principal lesão precursora do carcinoma espinocelular de lábio (Vieira, Minicucci, Marques, & Marques, 2012).
Independentemente dos fatores de risco não modificáveis, como pele de cor clara e antecedente familiar de câncer de pele, todos os indivíduos devem limitar o tempo de exposição ao sol, evitando o horário entre 10:00h e 15:00h, usar vestes protetoras, óculos de sol e filtro solar (prevenção primária). Além disso, o diagnóstico e tratamento precoces da queilite actínica e queratoses cutâneas são fundamentais. Não existem ensaios randomizados que comprovem o impacto do rastreamento das lesões de pele ou lábio na redução da mortalidade por carcinoma espinocelular (Wernli et al., 2016).
Conhecimento de outros fatores de risco
Nos países ocidentais, como o Brasil, o carcinoma de nasofaringe é relativamente raro e comumente associado ao tabagismo e ao consumo de álcool. Porém, em países do Oriente, como a China, é um dos tumores malignos mais comuns e se associa a infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV)(Raghupathy, Hui, & Chan, 2014; Tsang & Tsao, 2015).
Outro vírus com potencial tumorigênico é o HIV (vírus da imunodeficiência humana). Os pacientes infectados pelo HIV têm risco de duas a três vezes maior de desenvolver carcinomas epidermóides de cabeça e pescoço (Grulich, van Leeuwen, Falster, & Vajdic, 2007; Manfredi, Sabbatani, & Chiodo, 2005; Patel et al., 2008; Powles et al., 2009), além de outros tipos histológicos de câncer, como sarcoma de Kaposi, carcinoma de linfoepitelial de glândulas salivares, carcinoma de nasofaringe e carcinoma de células de Merkel (Purgina, Pantanowitz, & Seethala, 2011). Os sítios mais comumente envolvidos são a cavidade oral, a área tonsilar e a laringe.
Os pacientes submetidos a transplantes de órgãos também apresentam maior risco de câncer, a maioria na pele, mas também na cabeça e pescoço, incluindo glândula tireoide, boca, orofaringe, cavidade nasal, nasofaringe e glândulas salivares (Rabinovics et al., 2013). Excluindo os tumores de pele, o carcinoma de células escamosas é responsável pela maioria dos cânceres de cabeça e pescoço em pacientes transplantados e as altas doses de drogas imunossupressoras empregadas podem estar relacionadas a pior prognóstico (Preciado, Matas, & Adams, 2002).
A exposição ocupacional a diversos tipos de produtos tem sido associada ao câncer de cabeça e pescoço, destacando-se: percloroetileno (Vaughan, Stewart, Davis, & Thomas, 1997), amianto (Paget-Bailly, Cyr, & Luce, 2012), hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (Becher et al., 2005), têxteis e borracha (Paget-Bailly et al., 2012), madeira (Gordon, Boffetta, & Demers, 1998), cimento (Dietz, Ramroth, Urban, Ahrens, & Becher, 2004), metais diversos (MAIER, VRIES, & SNOW, 2009) e formaldeído (Beane Freeman et al., 2013; Vaughan et al., 2000; Vaughan, Strader, Davis, & Daling, 1986).
A irradiação para o tratamento de doenças benignas ou malignas da cabeça e pescoço tem sido associada aos carcinomas papilíferos de glândula tireoide (Papadopoulou & Efthimiou, 2009), carcinomas de glândulas salivares (Schneider et al., 1998; Whatley, Thompson, & Rao, 2006), sarcomas (Pfeiffer, Boedeker, Ridder, Maier, & Kayser, 2006) e carcinomas de células escamosas do trato aerodigestivo superior (Kang & Saftlas, 1996; Miyahara, Sato, & Yoshino, 1998; Sale, Wallace, Girod, & Tsue, 2004; van der Laan, Baris, Gregor, Hilgers, & Balm, 1995).
A anemia de Fanconi é uma doença hereditária da reparação do DNA, caracterizada por pancitopenia progressiva com falência da medula óssea, malformações congênitas variáveis e predisposição a tumores hematológicos e sólidos, e está relacionada não apenas a maior risco de câncer de cabeça e pescoço, mas também maior suscetibilidade a complicações após a radioterapia (Birkeland, 2011; Kutler et al., 2015; Lin & Kutler, 2013).
Má higiene oral e doença periodontal (Javed & Warnakulasuriya, 2016; Tezal et al., 2007; Velly et al., 1998), próteses dentárias mal ajustadas (Campbell, Mark, Soneson, Freije, & Schultz, 1997; Fan et al., 2015; Lockhart, Norris Jr., & Pulliam, 1998; Rosenquist, 2005; Schildt, Eriksson, Hardell, & Magnuson, 1998), enxágue oral à base de álcool (Gandini, Negri, Boffetta, La Vecchia, & Boyle, 2012; Guha et al., 2007) e consumo de chimarrão ou de carnes grelhadas e exposição doméstica à fumaça produzida por fogões a lenha (Nishimoto et al., 2002b), todos podem contribuir para o desenvolvimento do câncer de cavidade oral.
Quimioprevenção e rastreamento do carcinoma espinocelular de boca
Qumioprevenção
Os pacientes portadores de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço causado por substâncias cancerígenas, como o tabaco e o álcool, têm uma grande predisposição para o desenvolvimento de cânceres em toda a mucosa oral e orofaríngea. Tal fenômeno é conhecido por “cancerização de campo”. O processo de carcinogênese envolve diversas etapas, desde as alterações pré-malignas ao câncer invasor. Nesse contexto, a quimioprevenção farmacológica poderia inibir ou reverter a progressão carcinogênica (Saba NF, Shin DM, Brockstein BE, Posner MR, n.d.).
Os melhores candidatos à quimioprevenção são os pacientes com lesões pré-cancerosas ou fator de risco conhecido para o desenvolvimento de câncer, bem como aqueles previamente tratados e que apresentam risco significativo para o desenvolvimento de um segundo tumor primário.
As lesões pré-cancerosas da cavidade oral incluem as leucoplasias (placas brancas) e eritroplasias (placas vermelhas), que podem exibir achados histológicos de displasia (atipia nuclear, falha de diferenciação, perda de contato célula-célula, etc) e alterações genômicas clonais sequenciais, incluindo eliminações de braços cromossômicos 3p , 9p, 11q e 17p (Califano et al., 1996; Mao et al., 1996; L. Zhang et al., 2001).
A maioria dos estudos em quimioprevenção envolvendo lesões pré-malignas da cavidade oral e orofaringe avaliou os efeitos protetores da vitamina A (Jyothirmayi et al., 1996; Stich et al., 1988; van Zandwijk, Dalesio, Pastorino, de Vries, & van Tinteren, 2000), vitamina E (Garewal, 1994; Iqubal, Khan, Kumar, Kumar, & Ajai, 2014), beta-caroteno (Liede et al., 1998; Nagao et al., 2015; R Sankaranarayanan et al., 1997; Toma et al., 1992; Wright et al., 2007) e dos retinóides sintéticos (Bairati et al., 2005; Hong et al., 1986; Khuri et al., 2006; Koch, 1978; Lippman et al., 1993; Perry et al., 2005; Smith & Saba, 2005). As taxas de resposta relatadas podem ser elevadas, com indução de regressão das lesões pré-malignas orais, porém às custas de toxicidade considerável, cutâneo-mucosa e sistêmica (desordens músculo-esqueléticas, hepatopatias, etc). Além disso, são elevadas as taxas de recorrência das lesões após a descontinuação do uso.
A ingestão de aspirina e outros antiinflamatórios não-hormonais (AINEs) pode impedir o desenvolvimento de lesões pré-malignas e malignas da cavidade oral, à semelhança do que ocorre com as neoplasias intra-epiteliais do cólon e reto, através da inibição da ciclo-oxigenase-2 (COX-2) e da redução na síntese de prostaglandinas, implicadas na tumorigênese. De fato, as lesões pré-malignas e malignas da cavidade oral demonstram super-expressão da ciclo-oxigenase-2 (COX-2) e os estudos em animais demonstraram o efeito dos inibidores da(Renkonen, Wolff, & Paavonen, 2002) COX-2 em prevenir o câncer de cavidade oral(Shiotani et al., 2001; Z. Wang, Fuentes, & Shapshay, 2002). Porém, estudos observacionais em humanos apresentam resultados inconclusivos e a ingestão a longo prazo pode ser limitada pela toxicidade (Tang et al., 2016).
O EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico) é superexpresso nos carcinomas espinocelulares da cabeça e pescoço (Rubin Grandis, Melhem, Barnes, & Tweardy, 1996; Shin, Ro, Hong, & Hittelman, 1994), sugerindo que a sua inibição possa ser eficaz nestes tumores (Saba et al., 2014; William et al., 2016; Wirth et al., 2005).
A deficiência em folato tem sido associada a maior risco de carcinoma de células escamosas da cabeça e pescoço (Almadori et al., 2002; Eleftheriadou et al., n.d.; Gorgulu et al., 2010) e alguns autores sugerem que a suplementação do ácido fólico pode exercer papel quimiopreventivo por inibição da proliferação do epitélio da mucosa.
Em suma, nenhum agente quimiopreventivo foi comprovadamente associado à redução na incidência de carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço, em ensaios clínicos randomizados. Apesar do conhecimento acumulado sobre a biologia das lesões pré-malignas da cabeça e pescoço, até o presente momento, não há indicações claras para quimioprevenção (Lodi et al., 2016; Saba et al., 2015).
Rastreamento (screening)
O câncer da cavidade oral ocorre em regiões anatômicas em geral acessíveis ao exame físico (visual e palpação). Assim, o carcinoma de células escamosas da cabeça e pescoço pode ser prevenido não apenas através da implementação de programas anti-tabaco, mas também através de exames bucais de rotina em indivíduos de alto risco, visando a detecção precoce de lesões pré-malignas ou cânceres iniciais.
Em um estudo norte-americano, o rastreamento de carcinomas de células escamosas da cavidade oral, faringe e laringe, com avaliação de sintomas e inspeção sistemática da mucosa oral, foi realizado por profissionais de cuidados primários em Boston (Prout, Sidari, Witzburg, Grillone, & Vaughan, 1997). Dos 4611 tabagistas com mais de 40 anos de idade que foram selecionados, 313 preencheram critérios específicos para encaminhamento à avaliação por especialista. Lesões da mucosa oral e disfonia persistente foram detectadas em 13% e 11% dos pacientes, respectivamente, e o câncer foi diagnosticado em 3% dos pacientes.
Em Cuba, o Oral Cancer Case Finding Program baseou-se em educação em saúde e exame minucioso da cavidade oral por estomatologistas em centros especializados (Santana, Delgado, Miranda, & Sánchez, 1997). Mais de 10 milhões de pacientes foram examinados e 30.478 foram encaminhados por anormalidades detectadas. Dos 8259 que aceitaram o referenciamento, foram evidenciadas 2367 leucoplasias, 853 outras lesões pré-cancerosas e 708 neoplasias malignas. A eficácia potencial deste programa é evidente pelo aumento da incidência (de 22% para 48%) de cânceres de boca em fase inicial (estadio I) e a redução da incidência (de 77% para 52%) de cânceres mais avançados (estadios II a IV).
Apenas um ensaio clínico randomizado indiano avaliou o impacto do rastreamento através do exame da cavidade oral na redução da mortalidade pelo câncer de boca. Os autores distribuíram aleatoriamente os pacientes em dois grupos: um grupo submetido a 3 exames de inspeção visual oral por profissionais de saúde treinados, a intervalos de três anos, e um grupo controle, o qual recebeu tratamento padrão (Rengaswamy Sankaranarayanan et al.). Pacientes com avaliação suspeita foram encaminhados para exame clínico, biópsia e tratamento. A diferença de mortalidade global não foi estatisticamente significante, porém, entre os tabagistas e/ou consumidores de álcool houve redução significativa de 33% no risco de morte por câncer de boca. Os autores concluíram que o rastreamento por exame visual da cavidade oral em pessoas de alto risco é capaz de reduzir a mortalidade por câncer bucal.
Programas de prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal realizados no Brasil (Antunes, Toporcov, & Wünsch-Filho, 2007) e no Sri Lanka (R Sankaranarayanan, 1997) não demonstraram redução da mortalidade relacionada ao câncer em decorrência de problemas de seguimento dos participantes após a triagem inicial.
A aceitação e a satisfação dos pacientes submetidos ao screening do câncer de boca pode ser maior quando há maior disponibilização de informação escrita (Paudyal, Flohr, & Llewellyn, 2014).
O American Dental Association Council on Scientific Affairs publicou em 2012 recomendações relativas ao rastreamento do câncer de cavidade oral (Rethman et al., 2012). Após uma ampla revisão da literatura científica disponível, os membros do conselho concluiram que o rastreamento através do exame visual e palpação pode detectar cânceres orais em estádios iniciais, porém não há evidência suficiente demonstrando redução da mortalidade câncer-específica. Os autores sugerem que os profissionais de sáude devem permanecer alertas às lesões potencialmente malignas ou neoplasias em estádio inicial durante a realização de exames bucais de rotina em todos os pacientes, especialmente naqueles de alto risco (tabagistas e alcoolistas habituais).
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